Críticas

“O Céu Que Nos Protege”, de Bernardo Bertolucci

O Céu Que Nos Protege (The Sheltering Sky – 1990)

Casados há 10 anos, os escritores Port (John Malkovich) e Kit (Debra Winger) decidem abandonar a vida rotineira dos Estados Unidos e viajar para o deserto africano em busca de outras e novas emoções. Junto com eles vai o amigo Tunner (Campbell Scott). A época é o fim da Segunda Guerra, o casal sofre o desgaste da relação e há dúvidas de que o desgastado amor deles sobreviva a essa viagem cheia de provações.

Eu tive a chance de rever recentemente, sigo admirando a belíssima fotografia do mestre Vittorio Storaro e a sensibilidade com que a mensagem do livro original de Paul Bowles é trabalhada por Bertolucci, mas pude constatar que os problemas persistem, o ritmo desnecessariamente arrastado e, principalmente, um terceiro ato que se perde no excesso de simbolismos, pesando a mão também em um romantismo cafona que parece saído da franquia “Emmanuelle”.

A narrativa que me fez virar as páginas com fascínio crescente, transposta para o estilo seco e contemplativo do diretor, peca pela redundância e por não ter uma ideia definida sobre como desenvolver seus temas. É aquele caso clássico em que vinte minutos a menos na sala de edição resultariam em algo sensorialmente muito mais eficiente.

“A finitude está sempre a caminho, mas o fato de você não saber quando chegará parece tirar a finitude da vida. É essa precisão terrível que odiamos tanto. Mas, como não sabemos, podemos pensar na vida como um poço inesgotável. No entanto, tudo acontece apenas um certo número de vezes, e um número muito pequeno, na verdade. Quantas vezes mais você se lembrará de uma certa tarde de sua infância, alguma tarde que é tão profundamente parte de seu ser que você não pode sequer conceber sua vida sem ela? Talvez quatro ou cinco vezes mais. Talvez nem mesmo isso. Quantas vezes mais você verá a lua cheia nascer? Talvez vinte. E, no entanto, tudo parece sem limites.” (Bowles)

A mensagem que o autor transmite é infilmável, a alegoria proposta pela diferença entre turistas e viajantes, a “ação” é toda internalizada, mas Malkovich e Winger defendem com competência a sensação de vazio existencial de seus personagens, cansaço, falta de propósito, como corpos anestesiados desejando a dor lancinante como prova de que ainda estão vivos. A imensidão opressiva do deserto, as moscas pousando nos rostos suados, a sujeira dominando cada espaço frágil, a realidade brutal de uma sociedade indiferente às necessidades básicas daquele casal de artistas; ele, compositor de música erudita; ela, escritora.

A teatralização ritualística do relacionamento é o primeiro véu que é impiedosamente retirado, a confiança é quebrada, a selvageria do exótico desafiando ironicamente a intelectualidade arrogante dos indivíduos, quebrando suas muletas psicológicas, conduzindo-os à intoxicação pela liberdade genuína, sem dogmas, sem cabrestos sociais.

O leitmotiv da impossibilidade de se fugir do progresso é representado perfeitamente no desfecho, mostrando a mulher irremediavelmente transformada retornando à civilização, uma incógnita de olhar vazio, sem identidade, sem sentido, em suma, a utopia da pureza anticapitalista personificada.

Cotação:

“The Sheltering Sky Theme”, composta por Ryuichi Sakamoto:

“On the Hill”, composta por Ryuichi Sakamoto:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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