Críticas

“O Silêncio dos Inocentes”, de Jonathan Demme

O Silêncio dos Inocentes (The Silence of The Lambs – 1991)

Clarice Starling (Jodie Foster), agente novata do FBI, procura por um criminoso que ataca mulheres jovens. Para construir o perfil psicológico dele, recorre à ajuda de um criminoso preso que agia de forma semelhante, o dr. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins).

Um dos segredos pouco lembrados da eficiência absurda de “O Silêncio dos Inocentes” é a trilha sonora composta por Howard Shore, que facilita a imersão do público no clima da obra já nos primeiros minutos. A doce flauta onipresente representando a réstia de luz (Clarice) sendo gradativamente consumida pela escuridão (Hannibal). O canadense hoje é mais conhecido pelo magistral trabalho na trilogia “O Senhor dos Anéis”, mas, na época, já se destacava nas parcerias com o diretor David Cronenberg, como em “Gêmeos – Mórbida Semelhança”, “A Mosca” e “Videodrome”.

O roteirista Ted Tally pode não ter realizado mais nada digno de nota, fenômeno curioso, mas a sua adaptação do ótimo livro homônimo de Thomas Harris foi impecável, superando o que Michael Mann havia feito com o primeiro da série, “Red Dragon”, em seu “Manhunter” (1986), em que Brian Cox vivia “Hannibal Lecktor”. Apesar da troca de sobrenome sem sentido, o filme é bem superior aos suspenses que pululavam à época, suprindo a demanda das locadoras de vídeo.

O caso é que Demme acertou no ponto em que Mann usualmente peca, absorvendo inteiramente a essência e a proposta da obra, ao invés de utilizá-la como veículo para firmar uma impressão digital estilizada. E, claro, ter um mestre como Hopkins esbanjando talento no papel de sua vida ajudou bastante. Sean Connery, opção inicial do diretor, deve praguejar até hoje por ter recusado o convite.

“Certa vez, um recenseador tentou me pôr à prova. Comi o fígado dele com fava e um bom vinho.”

Jodie Foster, que havia acabado de ser premiada com um Oscar por “Acusados”, demonstrou tanta paixão pelo livro e pela personagem, que eliminou a forte concorrência. A decisão acertadíssima, já que ela consegue com facilidade estabelecer o equilíbrio entre a vulnerabilidade e o orgulho profissional.

A firmeza de caráter de Clarice exerce fascínio em todos ao seu redor. Ela, fisicamente frágil, pequena (detalhe reforçado na escolha dos enquadramentos), feição delicada, é apresentada ao público treinando sozinha, literalmente suando para provar que é capaz de resistir aos desafios físicos e psicológicos de sua atividade. É compreensível que esta bela força da natureza tenha conquistado a admiração intelectual (e o coração) de Lecter.

A alma do roteiro é exatamente a interação entre estes dois personagens, a forma como este relacionamento exótico vai se desenvolvendo, divididos no ambiente, dominância invertida, já que a figura de autoridade é, do momento em que apresenta suas credenciais, reduzida à rato de laboratório, estudada, manipulada friamente por aquele que, em teoria, está engaiolado na cela, insegura diante daquele homem que exala tremendo autocontrole.

A direção de arte e a fotografia de Tak Fujimoto inteligentemente preparam o terreno para que o espectador, assim como a protagonista, antecipe uma figura monstruosa, algo que é subvertido no momento em que Hopkins aparece em cena, com uma expressão serena e uma postura elegante.

“O Silêncio dos Inocentes” levou os cinco prêmios principais no Oscar (filme, diretor, roteiro, ator e atriz), repetindo os raros casos de “Um Estranho no Ninho” e “Aconteceu Naquela Noite”, e, mais importante, fez história por ser o ÚNICO filme de terror que venceu na categoria principal.

Cotação:

Música-tema composta por Howard Shore:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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