Críticas

“Fantasma”, de Don Coscarelli, a franquia mais subestimada do horror

Fantasma – Noite Macabra (Phantasm – 1979)

Pequena cidade é palco de estranhos acontecimentos. A morte de um rapaz leva Mike, seu irmão Jody e o amigo Reggie a investigarem o cemitério local, onde macabro agente funerário guarda bizarros segredos com o auxílio de mortais esferas voadoras.

Esta pérola pouco conhecida do terror/sci-fi, cultuada pelos fãs norte-americanos do gênero, costumava passar nas nossas madrugadas televisivas com uma excelente dublagem da Herbert Richers, encabeçada pelo querido amigo Ricardo Schnetzer, que dublou o irmão mais velho do menino que precisa enfrentar seus medos após o falecimento dos pais.

Angus Scrimm, intérprete do enigmático Tall Man (Homem Alto), faleceu no início do ano, após filmar sua participação no quinto e derradeiro capítulo da franquia, poucos veículos comentaram. Mas, apesar do segundo e do terceiro serem divertidos e mais agitados, os roteiros desrespeitam tudo o que foi estabelecido no original, na intenção de transformar a alegoria engenhosa em um slasher simplório nos moldes de “Sexta-Feira 13” e seus similares.

É perceptível o amor do jovem roteirista/diretor/editor Don Coscarelli pelo projeto independente, feito com baixíssimo orçamento, com elenco em grande parte amador e filmado nos finais de semana de um longo ano, mas com intensa criatividade. Uma sutil referência evidencia o cuidado da direção de arte, um livro que aparece em um par de cenas, no quarto do menino, “My Name is Legion”, antologia de contos si-fi escrita por Roger Zelazny, mostra que a imaginação dele já estava sendo ativada como maneira escapista de suportar os baques emocionais recentes, a perda dos pais e, como o brilhante desfecho revela, a trágica morte do irmão mais velho em um acidente de carro.

Outro detalhe que pode passar despercebido é o pequeno frasco de remédio prescrito que só aparece no quarto do menino na cena final. O roteiro insinua em vários momentos uma ligação psicológica entre os dois irmãos, um companheirismo bonito que vence até a descrença do mais velho com relação às influências sobrenaturais nos perigos que o mais novo sinaliza. E quando é revelado que tudo se passou na mente do garoto, com o falecido irmão representando o herói que ele perdeu, o espectador é levado a preencher lacunas da trama.

A pequena esfera prateada voadora que retira o sangue de suas vítimas, instrumento utilizado pelo coveiro Tall Man, símbolo óbvio que evidencia a impressionante fragilidade de nosso organismo. O grande problema a ser enfrentado pelo menino é o medo da perda. Na cena da experiência com o efeito placebo na pequena caixa preta, momento que sintetiza a mensagem do filme, ele reconhece que precisa trabalhar essa fraqueza psicológica, a compreensão da finitude humana é um dos degraus necessários na escalada da maturidade.

“Fantasma” ganhou o prêmio especial do Festival Avoriaz, da França, e foi indicado na categoria “Melhor Filme de Horror”, da Academia de Filmes de Ficção Científica, Fantasia e Horror, dos Estados Unidos.

Fantasma 2 (Phantasm 2 – 1988)

Mike, recém-saído de um hospital psiquiátrico, continua sua jornada para deter o Tall Man.

Ao trocar os enigmas e o profundo simbolismo por uma narrativa mais atraente para o consumo imediatista, encaixando os personagens no molde dos filmes de terror que lotavam as salas de cinema à época, Coscarelli deixa de lado os contornos soturnos em favorecimento de uma pegada de ação, similar à transformação que ocorreu entre “Alien, O Oitavo Passageiro” e “Aliens, O Resgate”. É uma estratégia inteligente de marketing que garantiu a sobrevida do que seria apenas uma curiosidade setentista, mas ele só conseguiria alcançar o equilíbrio tonal no filme seguinte, aqui ele se mostra desconfortável com os rumos do roteiro.

O aprofundamento da mitologia acaba empobrecendo a mesma, reduzindo à uma variação da invasão alienígena de “Vampiros de Almas”, com os vilões destruindo as cidades por onde passam. A menção ao nome de Sam Raimi em uma cena espirituosa não é em vão, o diretor emula a mudança drástica de tom que Raimi adotou em “Evil Dead 2”, lançado no ano anterior.

Fantasma 3 – O Senhor da Morte (Phantasm 3: Lord of The Dead – 1994)

Mike e Reggie lutam para fechar uma das sete portas do reino dos mortos, que foi aberta pelo agente funerário. Mas eles devem tomar especial cuidado com as mortais esferas voadoras.

Que revisão agradável, surpreendente, não lembrava que este filme era tão divertido. A perfeita química entre os componentes do grupo de salvamento, a criança pistoleira e seu frisbee com giletes, melhor com um revólver do que Clint Eastwood, a bela carateca e seu nunchaku, o guerreiro sorveteiro de meia-idade, tudo funciona bem, o ritmo é ágil, as sequências gore cumprem seu papel. Após o anterior, que flertava com o terrir, Coscarelli abraça sem medo o estilo, trazendo de volta A. Michael Baldwin, o ator que fez o menino no primeiro, substituído no segundo por um cigano Igor, elemento que agrega investimento emocional dos fãs.

As esferas metálicas voadoras recebem maior atenção, devido à clara evolução nos efeitos especiais, conquistando de vez espaço no cânone do gênero.

Fantasma 4 – O Pesadelo Continua (Phantasm 4: Oblivion – 1998)

Mike e Reggie lançam-se numa fenda do tempo para tentar desvendar o passado de Tall Man e acabar, de uma vez por todas, com seu reino de terror.

O maior mérito desta vez foi resgatar o clima onírico do primeiro filme, entregando um desfecho coerente com a alegoria do mesmo, ambientando o protagonista no Vale da Morte, enfrentando o medo da inescapável finitude que o acompanha desde menino. A proposta de utilizar uma quantidade generosa de cenas filmadas e descartadas do original é brilhante, ressignificando momentos-chave, como a armadilha banal da forca na árvore que se torna, com a adição de uma rima visual, a peça fundamental na metáfora psicológica trabalhada no subtítulo original, oblivion, temer a morte é bobagem, a única certeza da existência, o que devemos temer mesmo é o esquecimento.

  • Há um quinto filme, “Phantasm: Ravager” (2015), mas não é dirigido por Don Coscarelli e, devido à sua qualidade inferior, vale apenas como curiosidade.
Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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