Fratura (Fractured – 2019)
Dirigindo pelo país, Ray (Sam Worthington) e sua esposa (Lily Rabe) param em uma área de descanso na estrada, onde sua filha (Lucy Capri) acaba caindo e quebrando o braço. O pai vai para o check-in da emergência mais próxima, enquanto a esposa leva a filha para fazer uma ressonância magnética. Ray, exausto, adormece no saguão. Quando ele acorda, o pesadelo começa.
É curioso como parece haver uma espécie de má vontade da crítica com originais da Netflix, este ótimo suspense está sendo apedrejado ou simplesmente desprezado.
O caso é que muitos colegas acreditam que ser crítico é buscar sempre a subjetiva perfeição, conceito frágil, o profissional está fadado a cometer muitas injustiças, já que cada obra deve ser avaliada levando em consideração a sua proposta e o gênero que abraça. A competência na execução é fator importante, “Fratura” mantém o espectador tenso, na beira do sofá, e, principalmente, entrega com louvor um sabor residual perturbador, aquele tipo de filme, cada vez mais raro, que não termina nos créditos finais.
O primeiro trabalho do roteirista Alan B. McElroy foi resgatar Michael Myers em “Halloween 4” (1988), ele traz seu know-how no terror para estabelecer o clima necessário de pesadelo. O diretor Brad Anderson foi responsável por uma das mais instigantes pérolas da década de 2000, “O Operário”, mais lembrado pela atuação impressionante de um esquelético Christian Bale. A junção destes dois talentos garante o clima sombrio que a trama necessita, especialmente em seu terceiro ato. Sam Worthington, em ótimo momento, ajuda a embaralhar a mente do público compondo uma figura vulnerável (alcoólatra em recuperação) e carismática, o homem comum hitchcockiano que se vê envolvido em um mistério que remete à “A Dama Oculta”, clássico da era inicial inglesa do mestre do suspense.
Os próximos parágrafos contém spoilers, recomendo que leiam após a sessão:
Aparentemente a família é feliz, mas basta um olhar atento para perceber que o relacionamento carrega uma bagagem pesada de culpa, Ray ainda tenta se recuperar do trauma de ter perdido sua ex-esposa grávida em um acidente de automóvel. Ele seguiu em frente, mas não há brilho em seus olhos cansados. Um deslize durante uma parada no posto de gasolina, a pequena se afasta do carro, um cão raivoso se aproxima dela, o pai tenta assustar o animal, mas ela perde o equilíbrio e despenca de uma altura considerável, ficando gravemente ferida.
Similar ao que ocorre no recente “Coringa”, o roteiro, deste momento em diante, coloca o espectador na mente de Ray, mostra apenas o que o protagonista enxerga como sua realidade, a entrada no hospital, a luta para conseguir que a menina seja atendida, o pânico se eleva à medida em que sinais são plantados de que há algo de sinistro naquele ambiente. Há sutis pistas deixadas, como a esquisita repetição de alguns funcionários do hospital, só que em funções diferentes, evidenciando em revisão que estamos sendo guiados por uma mente fraturada que busca espetacularizar com o pouco que encontra à sua disposição. O fascinante é exatamente ele não ser um narrador confiável.
É nesta constatação tardia que o filme ganha mais pontos, porque superestima a inteligência do público e se mostra ousado, abordando a destruição da sanidade mental de um indivíduo, e, por conseguinte, a perigosa fantasia que é imediatamente ativada como forma de proteção.
Cotação:
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