Críticas

“Irmão Sol, Irmã Lua”, de Franco Zeffirelli

Irmão Sol, Irmã Lua (Fratello sole, sorella luna – 1972)

A história de São Francisco de Assis (Graham Faulkner), no século XIII, até a sua audiência com o papa. Filho de um rico comerciante, ele retorna da guerra com delírios e, a partir daí, passa a ser considerado louco por louvar a natureza. Quando ele resolve se livrar de todos os materialismos para descobrir a felicidade nos mais simples acontecimentos, como o vento batendo em seu rosto ou o cantar de um pássaro, ele começa a trazer seguidores para si, ganhando a desconfiança e a irritação do materialista bispo local.

Zeffirelli teve o brilhante insight de utilizar o movimento hippie que dominava o período como moldura em espírito e letra para resgatar a figura de São Francisco de Assis, utilizando os mesmos códigos visuais da fotografia de seu projeto anterior, “Romeu e Julieta”, de Pasqualino De Santis, emulados desta feita por Ennio Guarnieri.

Na versão original, corroborando a reverência à contracultura, os Beatles protagonizariam a obra, mas a agenda lotada do grupo acabou inviabilizando a ideia.

“Senhor, fazei de mim um instrumento da Vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor.”

O filme tem sérios problemas de ritmo, mas consegue transmitir a sua mensagem muito bem, mostrando desde o início o contraste entre a ostentação da riqueza da religião organizada e a maneira simples com que a natureza impõe sua grandiosa beleza, em suma, a contradição grotesca que, até hoje, ainda é espinhosa.

O Jesus na cruz com adornos dourados que oniricamente atormenta Francisco, assim como a arquitetura opressiva que esbanja poder, aliado aos rituais que envolvem a casta sacerdotal dizem muito sobre a ambição humana, pouco sobre a vaidade e quase nada sobre os ensinamentos do homem de Nazaré. O terceiro ato cresce exatamente por deixar um pouco de lado o aspecto contemplativo e jogar luz no conflito que se estabelece entre a clareza de atitude do jovem e os interesses escusos dos dignitários religiosos.

Algumas sequências são puramente belas em seu simbolismo, como quando Francisco se despe de seus trajes elegantes, entregando ao seu pai com total desprezo aquele verniz sem significado algum.

A opção de não contaminar o roteiro com elementos sobrenaturais é muito acertada, falando diretamente ao coração dos flower power à época, a pobreza do protagonista não é um meio necessário para contactar Deus, não é a liberação de um fardo, apenas uma forma mais direta de entender o outro e a si mesmo, o único milagre retratado é a interna modificação operada no rapaz. As letras dos temas folk cantados por Donovan na trilha sonora composta por Riz Ortolani reforçam esta pegada riponga.

“Irmão Sol e Irmã Lua” é um filme essencialmente antirreligioso, exatamente como o Jesus real, aquele que foi retrabalhado pelos homens ao longo das décadas como uma forma de acumular poder e glória.

Cotação:

Tema composto por Riz Ortolani:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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