Fale Com Ela (Hable con Ella – 2002)
O enfermeiro Benigno (Javier Cámara) se apaixona por uma aluna de academia de balé, Alicia (Leonor Watling). Quando ela sofre um acidente, Benigno acaba se tornando seu enfermeiro. No hospital, ele conhece Marco (Darío Grandinetti), que também está cuidando da mulher que ama: a toureira Lydia (Rosario Flores).
Marco é incapaz de identificar no leito do hospital a mulher outrora altiva, corajosa, que desafiava touros. Benigno, apaixonado, só conseguiu estabelecer contato, ainda que unilateral, com a bailarina que admirava da janela, quando se colocou à disposição como seu enfermeiro. Os dois homens, emocionalmente frágeis, devotam suas vidas àquelas mulheres, que representam simbolicamente dois extremos: a maleabilidade da dança e a firmeza da tourada.
O diretor faz uso generoso do melodrama típico de Douglas Sirk, característico em boa parte de sua carreira, enquanto estabelece a necessária conexão humana entre desesperados, leitmotiv visualmente reforçado nos cartazes de “King Kong” e “Metrópolis” perceptíveis nos cenários e, mais especificamente, já nos primeiros minutos, com a apresentação do estilo profundo da coreografia da alemã Pina Bausch.
O toque mais delicado do roteiro, as duas mulheres não entendem que estão sendo cuidadas com tanto carinho. Elas estão desacordadas, mas são os dois que realmente estão em tratamento, a experiência forçada do afeto é a terapia, há um pouco de egoísmo também, elas, na posição inconsciente de vulnerabilidade máxima, preenchem uma espécie de lacuna existencial neles, o comprometimento pleno trabalhado como alegoria no interlúdio sci-fi mudo e em preto e branco do homem que diminui de tamanho, referência à pérola “O Incrível Homem Que Encolheu”, decidindo metaforicamente retornar ao ventre materno, a busca por proteção, conforto.
Almodóvar consegue algo admirável, fazer o público nutrir empatia por Benigno, apesar dele ter cometido um terrível ato injustificável, fazendo referência ao lindo desfecho do clássico de Carlitos, “Luzes da Cidade” (a presença de Geraldine Chaplin não é coincidência), através da sensibilidade à flor da pele de seu único amigo, Marco, mostrando que todos possuem algo de bom a ensinar. Ele aprendeu a se conectar, escutando os conselhos de Benigno, ao falar com Lydia, projetando na fantasia do diálogo impossível a necessária esperança que opera a transformação interna.
Por outro lado, se a gravidez de Alicia representa o fundo do poço moral e ético para o enfermeiro, reprovável em todos os sentidos, também foi o causador químico do retorno dela à vida normal. Esta ambiguidade celebra a complexidade dos relacionamentos humanos. Do lodo mais espesso, como a cena final evidencia, nasceu a flor mais bonita.
“Fale Com Ela” é um filme maduro, realizado por um cineasta extremamente seguro e profundamente apaixonado por seu trabalho.
Cotação:
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