Críticas

“Resgate do Coração”, adorável romance na NETFLIX

Resgate do Coração (Holiday in the Wild – 2019)

Uma mulher (Kristin Davis) é largada pelo marido meros dias antes de uma viagem que os dois tinham programado para a África. Decidindo ir de qualquer jeito, ela reencontra o amor com um ambientalista (Rob Lowe).

Todo cinéfilo dedicado sabe que preconceito é uma palavra que simplesmente não existe em seu vocabulário, não há nada mais prazeroso que garimpar, fugir do óbvio e encontrar bons filmes.

Quando vi o título e o cartaz desta obra na seção “adicionados recentemente” na Netflix, o primeiro impulso foi postergar a sessão, pensei que seria um genérico natalino inofensivo, vazio, como tantos que são despejados nas salas de cinema nesta época do ano. Que surpresa agradável me esperava nas duas horas seguintes, acabei indicando em uma lista e, veja só, aqui estou escrevendo sobre ele.

O diretor Ernie Barbarash é bem versátil, iniciou na indústria com o bom “Cubo Zero”, sci-fi que dava sequência ao brilhante indie “Cubo”, de Vincenzo Natali, depois entregou a mediana continuação em telefilme do suspense “Ecos do Além”, além do terror “Espíritos Famintos”, partiu então para a seara da ação policial com “Invasor de Mentes” e “Lutando Contra o Tempo”, fechou parceria com Jean-Claude Van Damme em três competentes mezzo policial, mezzo pancadaria, com destaque para “6 Balas”, daí virou a chave e abraçou o drama inspirador no surpreendente telefilme “Second Chances”, mas agora, com “Resgate do Coração”, ele faz seu melhor trabalho até o momento, esbanjando ternura.

O roteiro da dupla Neal e Tippi Dobrofsky capta a essência da celebração cristã em uma trama que, por trás das convenções da comédia romântica, possui uma mensagem muito bonita e madura sobre a necessidade de saber se adaptar e, principalmente, sobre não se conformar com os rituais que a sociedade impõe na vida adulta.

“Se não houvesse transformação, não existiriam borboletas.”

A belíssima atriz Kristin Davis, na vida real, trabalhou no programa de resgate e reabilitação de elefantes órfãos, o “David Sheldrick Wildlife Trust”, chegando a produzir um documentário, “Gardeners of Eden” (2014), sobre o comércio ilegal de marfim, logo, este projeto para a Netflix teve uma carga emocional especial, algo perceptível no brilho em seu olhar nas várias cenas em que contracena com os animais. A delicadeza com que ela trata a relação com o elefante órfão, repetindo carinhosamente o método materno de marcar na parede o crescimento do filho, torna crível a sua jornada, praticamente abandonando a vida social na cidade grande.

O acerto do filme é evidenciar que o caso de amor é entre a mulher de meia-idade, desencantada com a vida matrimonial após ser cruelmente desprezada pelo marido, e a missão daqueles estranhos na Zâmbia, o relacionamento com o personagem vivido por Rob Lowe é apenas consequência natural. Ele, amargurado solteirão de meia-idade que se expressa artisticamente desenhando, enxerga inicialmente nela mais um romance fútil, mas é desafiado pela sua tenacidade, já que, diferente de todos os turistas, ela não quer apenas fotos para postar nas redes sociais, ela verdadeiramente decide VIVER aquela realidade.

Os dois, sobreviventes da impulsividade da juventude e marcados pelas cicatrizes das omissões na vida adulta, encaram com serenidade a aproximação da finitude e reconhecem no reflexo dos olhares o calor da brasa dormida, a esperança no amor sem culpa e sem plateia, o caminho oposto de tudo o que, na equivocada busca por aceitação, eles acataram.

Se abordasse só isto, a descoberta de que não vale a pena desperdiçar a vida em um relacionamento romântico de fachada, já seria ótimo, mas a trama ainda toca em temas espinhosos, como o entendimento de que a criação dos filhos não deve ser um ato egoísta, não deve ser a projeção de uma frustração existencial, uma muleta, muito menos o preenchimento de uma lacuna na agenda social.

É fascinante em sua simplicidade a alegoria proposta entre a necessidade de desapegar, permitir que o bebê elefante siga sua vida livre, e o medo da mãe em deixar seu filho adolescente sair de casa e, mais que isto, buscar trabalhar com o que gosta, ainda que não seja um caminho confortável. Nunca é tarde para modificar sua forma de pensar.

Um ótimo filme para ser assistido em família nesta época do ano, com mais coração do que muitos projetos pretensiosos e paparicados pelos colegas críticos pedantes.

Cotação:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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