Os Bons Companheiros (Goodfellas – 1990)
Um jovem cresce na máfia e trabalha arduamente para crescer entre seus companheiros. Ele gosta da vida de dinheiro e luxo, mas não liga para os problemas que provoca. Infelizmente, alguns erros finalmente destroem sua escalada até o topo.
O primeiro filme sobre gângsteres foi o mudo “A Mão Negra” (The Black Hand – 1906), dirigido por Wallace McCutcheon, trazendo já em seus onze minutos a característica mais forte do subgênero, objetividade fincada na realidade, a trama havia sido inspirada por um caso real ocorrido em Nova Iorque dias antes das filmagens. Para cinéfilos dedicados, inseri ao final do texto, logo abaixo do Trailer, o link desta raridade no Youtube.
Vários cineastas se aproveitaram do tema, D.W. Griffith, Mervyn LeRoy, Howard Hawks, Pietro Germi, Raoul Walsh, William A. Wellman, Francesco Rosi, mas é inegável que dois nomes se destacam neste panteão, Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. O primeiro se eternizou com a trilogia de “O Poderoso Chefão”, mas o segundo, devido à fidelidade e, principalmente, o interesse em evoluir o conceito a cada produção, agregando novas camadas, e, como historiador vocacionado na área, bebendo generosamente da fonte dos clássicos, conquistou o coração dos fãs. De “Boxcar Bertha” (1972), passando por “Caminhos Perigosos” (1973), “Os Bons Companheiros” e “Cassino” (1995), até “Os Infiltrados” (2006) e o recente “O Irlandês”, o baixinho estudioso e carismático segue redefinindo padrões, surpreendendo o espectador com maturidade emocional.
“Os Bons Companheiros” é o melhor, não há gordura extra, o roteiro, escrito pelo próprio Scorsese em parceria com o jornalista Nicholas Pileggi, opta por um rigoroso foco narrativo, acompanhando a trajetória de Henry Hill (inspirado no homônimo, como retratado no livro “Wiseguy”, escrito por Pileggi), vivido impecavelmente por Ray Liotta, dos dias simplórios de malandro de rua, atravessando o período em que engrossou os círculos internos da máfia, até seu mais decadente fim.
Ao invés de apostar no caminho usual dos estereótipos em traços fortes, Scorsese gradativamente desmistifica estes donos do poder paralelo, representados principalmente pelas figuras imponentes de James Conway (Robert De Niro) e Tommy DeVito (Joe Pesci), compondo um retrato intimista, familiar, humano, processo análogo ao que ocorre internamente no próprio Henry, em sua percepção daquele universo.
A fotografia do saudoso alemão Michael Ballhaus, com sua tradicional câmera em movimento constante, captura o brilho ilusório e cegante do sucesso (o misto de arrogância e tremenda ingenuidade é evidenciado na simbólica escolha da música inicial, “Rags to Riches”, dos trapos à riqueza, na voz de Tony Bennett), o falso glamour naquele estilo de vida que encantou o jovem, assim como explora imageticamente o contraste rude e seco de seu inevitável despertar. A utilização de canções aparentemente inadequadas como reforço simbólico, marca registrada do diretor, garante sequências inesquecíveis, como a queima de arquivo ao som de “Layla”, da banda Derek and the Dominos.
Já que comecei fazendo uma ligação com o cinema mudo, finalizo ressaltando a preciosa referência direta do diretor à cena mais famosa de “O Grande Roubo do Trem” (1903), de Edwin S. Porter, o fora da lei que dispara na direção do público, momento repetido no desfecho com Pesci. A mensagem é clara, se você enveredar pelo caminho do crime, ou enxergar justificativa para a transgressão social, nutrindo as mesmas ilusões de grandeza do protagonista, não há como escapar, a maldade é autofágica.
Cotação:
“A Mão Negra” (1906), primeiro filme sobre gângsteres:
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Que espetáculo de crítica Octávio!