Críticas

“Crônica de Anna Magdalena Bach”, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub

Crônica de Anna Magdalena Bach (Chronik der Anna Magdalena Bach – 1968)

Entre excertos de peças musicais de Johann Sebastian Bach (Gustav Leonhardt), sua segunda esposa Anna Magdalena (Christiane Lang) descreve vários estágios da vida do marido.

A obra dos franceses Jean-Marie Straub e Danièle Huillet talvez seja uma das mais herméticas, representa bem o clichê da horrível e equivocada expressão “filme de arte”, desprovida conscientemente de qualquer ínfima característica que a torne agradável, logo, bastante elogiada outrora pelo nosso patrono dos chatos, Glauber Rocha, e normalmente analisada até hoje em textos prolixos e pedantes por figuras intelectualmente inseguras, aquele tipo clássico de crítico que manipula emocionalmente os leitores com relatos frequentes de depressão e encontra satisfação fugaz apenas com a aprovação acadêmica.

Não faço este jogo, tendo visto os longas, curtas e médias do casal, quase todos excelentes antídotos para insônia (“Machorka-Muff”, por exemplo, consegue a proeza de fazer 18 minutos parecerem uma eternidade), posso afirmar que recomendaria somente “Crônica de Anna Magdalena Bach”, o longa de estreia, criticado por alguns à época, veja só o absurdo, exatamente por ser estruturalmente mais convencional (ainda longe, bem longe, de ser mainstream). O ritmo lento e reflexivo deste, assim como a sua estética (planos fixos), dedicando longas sequências à execução das composições ao piano, proporcionam uma imersão sui generis.

Eu gosto principalmente de como a maneira escolhida para homenagear Bach, focando em seu rígido modo de produção, ponto reforçado na cena em que ele didaticamente ensina o baixo contínuo para seus alunos de coral, acaba desmistificando o artista, opção que vai na contramão do que é usual em cinebiografias. A narração de Christiane Lang é monocórdica, austera, inicialmente soa até desapegada, mas à medida em que o espectador vai sendo conduzido sensorialmente para aquele universo, ela ganha uma fragilidade que a humaniza.

Esta produção germano-italiana altamente pretensiosa levou dez anos para ser financiada, merece ser apreciada por seus méritos, ainda que a experiência seja inegavelmente um exercício entediante praticamente insuportável.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

Recent Posts

Crítica de “O Brutalista”, de Brady Corbet

O Brutalista (The Brutalist - 2024) Arquiteto (Adrien Brody) visionário foge da Europa pós-Segunda Guerra…

2 dias ago

Dica do DTC – “Nazareno Cruz e o Lobo”, de Leonardo Favio

No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não…

4 dias ago

Os MELHORES episódios da fascinante série “BABYLON 5”

Babylon 5 (1993-1998) Em meados do século 23, a estação espacial Babylon 5 da Aliança…

5 dias ago

Os 7 MELHORES filmes na carreira do diretor britânico JOHN SCHLESINGER

O conjunto de obra do saudoso diretor britânico John Schlesinger é impressionante, mas selecionei 7…

6 dias ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

1 semana ago

Crítica de “A Garota da Agulha”, de Magnus von Horn, na MUBI

A Garota da Agulha (Pigen Med Nålen - 2024) Uma jovem (Vic Carmen Sonne) grávida…

2 semanas ago