Crimes de Família (Crímenes de Familia – 2020)
Depois de seu filho ser acusado de tentar eliminar a ex-esposa, Alícia (Cecilia Roth) embarca em uma jornada que vai mudar sua vida para sempre.
O diretor argentino Sebastián Schindel, do bom “O Patrão: Radiografia de um Crime” (2014) e do intensamente problemático “O Filho Protegido” (2019), entrega seu melhor trabalho até o momento, baseado em eventos reais, favorecido por um elenco especialmente inspirado, com destaque para a sempre competente Cecilia Roth.
A estrutura não-linear da trama pede a atenção dobrada do público, os momentos de tensão são todos nas cenas que ocorrem no tribunal, até há um mistério, mas é relativamente fácil prever os acontecimentos dos impecáveis 20 minutos finais, não é a proposta da obra ser desafiadora neste sentido, não é um suspense whodunnit, a preocupação do roteirista/diretor é retratar os estágios psicológicos da culpa e seus efeitos devastadores no microcosmo familiar. O fato de manter o espectador interessado todo tempo, apesar do ritmo lento, manipulando emocionalmente as expectativas a cada reviravolta, talvez seja o maior mérito do filme.
A elegante trilha sonora de Sebastián Escofet evidencia desde a primeira cena que o melodrama não é uma opção na vida real, um recurso teatralizado incapaz de extrair a verdade em tons de cinza que toda situação apresenta, a fotografia sóbria de Julián Apezteguia reforça o posicionamento seco, de fácil identificação humana. O ritual do julgamento é mostrado desprovido de verniz, o procedimento judicial é entediante, desgastante física e mentalmente para todos os envolvidos.
Alícia (Roth) vive uma rotina de fachada, mantém amizades vazias com pessoas tão alienadas quanto ela, mas é correta e generosa com sua empregada doméstica, a silenciosa Gladys (Yanina Ávila), tendo estabelecido um relacionamento genuinamente carinhoso com o filho da jovem, um menino doce e sorridente. É como se a mulher enxergasse na criança uma segunda chance como mãe, já que, claramente, algo deu errado na criação de Daniel (Benjamín Amadeo).
O excesso de fotos dele na casa (vale destacar o toque inteligente de, logo no início, inserir no enquadramento uma imagem religiosa na frente de uma moldura, exatamente tampando o filho no retrato, como um pedido maternal inconsciente de proteção) parece ser uma frágil compensação (assim como o excesso no “reconhecimento emoldurado” na parede do advogado sem escrúpulos), a mãe vive em estado constante de angústia, já o pai, Ignacio (Miguel Ángel Solá), esconde no olhar triste a certeza de que não haverá redenção. Sem revelar muito, basta afirmar que afagar os pequenos erros é sempre o pior caminho, o aprendizado é duro, inclemente.
Um ótimo filme da recente safra argentina que se mantém na mente, instigando preciosas reflexões horas depois do final da sessão.
Cotação:
Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…
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Aprecio os temas que se referem às relações familiares de diferentes culturas e o cinema argentino, principalmente.