Críticas

“Boa Noite, Mamãe”, de Severin Fiala e Veronika Franz, no TELECINE

Boa Noite, Mamãe (Ich seh, Ich seh – 2014)

Uma família vive em uma residência isolada em meio a árvores e plantações de milho. Após dias afastada por conta de cirurgias plásticas, a mãe (Susanne Wuest) volta para casa e não é reconhecida pelos filhos gêmeos (Elias e Lukas Schwarz). As crianças, de nove anos, duvidam que a mulher de rosto coberto seja realmente sua mãe.

A produção austríaca de estreia dos roteiristas/diretores Severin Fiala e Veronika Franz, filmada em gloriosos 35mm (como eles mesmos afirmam nos créditos finais), com a fotografia elegante de Martin Gschlacht, atmosférica, com tensão permanente sem a utilização desgastada de jump scares (a transição com susto) e de trilha sonora emocionalmente manipuladora, entra facilmente na minha lista de melhores filmes de terror da década.

  • Os próximos parágrafos terão SPOILERS, então recomendo que volte ao texto após a sessão.

O roteiro inteligentemente respeita a capacidade cognitiva do público e permite que cada espectador elabore variadas interpretações sobre os acontecimentos, mas algumas pistas preciosas são dadas sutilmente em momentos que podem passar despercebidos na primeira vez.

Escolher iniciar com o trecho da cena final do clássico alemão “A Família Trapp” (1956), de Wolfgang Liebeneiner, que inspirou o norte-americano “A Noviça Rebelde” (1965), mostrando a noviça Maria (Ruth Leuwerik) entoando uma canção de ninar com seus filhos adotivos, estabelece o tom e sinaliza o leitmotiv da farsa necessária como forma de superar/enfrentar um problema.

A reação da mãe ao ver um isqueiro no quarto do filho, por exemplo, assim como a preocupação dela em reafirmar que o menino não deve se sentir culpado, sugerem claramente que o falecimento de Lukas e as cirurgias plásticas necessárias na mãe ocorreram por causa de um incêndio acidental provocado por Elias. O jovem, já psicologicamente perturbado, incapaz de lidar com a tragédia e o divórcio dos pais, fica ainda mais perigoso, sem qualquer freio moral. A mãe, uma apresentadora televisiva (informação revelada rapidamente em uma brincadeira pueril), acabou se mudando para um local isolado de tudo, já que obviamente a imprensa transformaria sua vida num inferno buscando vender jornais.

A forma como o terceiro ato se desenrola remete aos tempos áureos em que o gênero era pensado para adultos e jovens psicologicamente maduros, algo em extinção. Quando você procura a opinião da garotada de hoje sobre o filme nas redes sociais, chega a dar real medo do futuro, vários não conseguiram entender nem a sequência obviamente onírica (talvez não saibam nem o significado da palavra) da mãe na floresta, falharam em perceber a linguagem visual clássica que sucede o sonho, aula de montagem básica, a tomada dos meninos acordando e encarando a câmera com olhos arregalados. A rasa capacidade de dedução dos receptores atuais explica a postura imediatista da indústria, por conseguinte, a má qualidade de boa parte do que é produzido pela indústria.

É fundamental que obras como “Boa Noite, Mamãe” recebam atenção e, com sorte, ajudem a formar uma nova geração mais criteriosa de fãs do gênero.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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