Ruas de Fogo (Streets of Fire – 1984)
Ellen Aim (Diane Lane), uma estrela do rock, é sequestrada por uma gangue de motoqueiros liderada por Raven (Willem Dafoe). Tom Cody (Michael Paré), seu ex-namorado, volta para a cidade e parte em sua procura pelas ruas chuvosas e pelos becos escuros da cidade.
O meu primeiro contato com o filme foi na adolescência, fiquei apaixonado pela Diane Lane (como todos os rapazes no mundo), escutava o LP em loop enquanto fazia os deveres de casa da escola, gostava particularmente da forma como a trama abraçava o estilo dos anos 50 (como “Grease”), mas também incorporava elementos de revistas em quadrinhos, transições de cena cheias de personalidade, uma pegada básica, direta, sem firulas narrativas, com uma edição frenética, verdadeiramente empolgante.
Anos depois, estudando sobre a obra já na era da internet, fiquei feliz ao entender o contexto do projeto.
A fábula rock’n’roll que brinca com vários gêneros, unindo com charme o faroeste, a ação, o musical e o noir, nasceu durante a produção de “48 Horas” (1982), veículo que conduziu Eddie Murphy ao estrelato mundial, quando os executivos da Paramount, muito satisfeitos com o resultado, incentivaram o diretor Walter Hill e seu roteirista, Larry Gross, prometendo sinal verde para a próxima empreitada da dupla.
O quarentão Hill enxergou então a possibilidade de realizar um sonho profissional, afagar carinhosamente sua contraparte adolescente, elaborando o que o rapaz de outrora consideraria uma “história perfeita”, reunindo tudo aquilo que ele mais amava, em suas palavras, “um novo herói de revistas em quadrinhos”.
A trilha sonora cuidadosamente pensada reforça este direcionamento, com pérolas épicas como “Nowhere Fast” e “Tonight Is What It Means to Be Young” (Fire Inc.), a linda balada “Never Be You” (Maria McKee), o pop chiclete de “I Can Dream About You” (Dan Hartman), o rockabilly “One Bad Stud” (composição dos mestres Jerry Leiber e Mike Stoller, interpretada por The Blasters), o doo-wop caloroso de “Countdown to Love” (The Sorels), até mesmo a melodia hipnótica e sensual de “Deeper and Deeper” (The Fixx), que emoldura os créditos finais, não há uma única música ruim.
O desfecho, envolvendo uma tradicional briga mano a mano e os cidadãos armados colocando os vândalos para correr, parece até ficção científica nos dias de hoje, a nova geração de frouxos, inseguros, popularmente chamados de mimizentos, jovens e adultos psicologicamente infantilizados que se escondem debaixo da cama por meses com medo de gripe, jamais entenderá o zeitgeist cultural dos gloriosos anos 80, época em que a garotada idolatrava no entretenimento a força de caráter, a coragem, até as letras das canções infantis valorizavam a honra, a amizade, o respeito, em suma, tempos que precisam retornar urgentemente.
“Ruas de Fogo” segue encantador em revisão, a direção de Walter Hill não envelheceu sequer um dia, uma pérola vibrante, revigorante, com uma trilha sonora impecável que potencializa a saudade, mas, ouso afirmar, consegue ser mais relevante hoje, exatamente como elemento de absurdo contraste.
Quem sabe, ao final da sessão, com sorte, o público existencialmente ajoelhado, cabisbaixo, amedrontado, reaprenda a suprema importância de se viver cada dia de sua vida com BRIO.
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