Matrix (The Matrix – 1999)
Um hacker, Neo (Keanu Reeves), fica sabendo de uma incrível conspiração que envolve a realidade de todos os humanos e se junta a uma rebelião em busca da liberdade.
A realidade que enxergamos diariamente, vendida pela imprensa e pelo entretenimento das emissoras de TV, não passa de uma ilusão rigidamente controlada.
O sistema utiliza de teatralidade até para que os povos tenham a sensação de que elegem alguém, financiando desde sempre luta de classes e raças com fins políticos, mantendo a massa amedrontada com espantalhos, o “buraco na camada de ozônio” de ontem será o “aquecimento global” de amanhã, as sacolas plásticas gratuitas são vilãs até que se coloque um preço nelas.
As grandes empresas farmacêuticas não querem nosso bem (elas lucram com as doenças), as famílias que controlam o jornalismo vendem narrativas convenientes de acordo com quem paga mais, logo, a verdade se torna um conceito subjetivo. O indivíduo, inserido neste cenário kafkiano, é levado a crer que possui opções, mas tudo, do comportamento mais simplório à decisão mais importante, foi calculadamente induzido em sua mente.
A internet, elemento inesperado de evolução rápida e sem regulação, proporcionou algo inédito, o indivíduo abandonou a apatia comatosa existencial de décadas, furou a bolha de manipulação, entendeu que o jornalismo, antes visto como algo quase sagrado, desinformava sem pudor algum.
O coletivo corajoso tomou as ruas e lutou por questões fundamentais outrora repudiadas (o próprio sistema, obviamente, alimentava por interesse próprio esta atitude passiva), logo, a imprensa, o quarto poder, perdeu toda credibilidade, veículos que eram superpoderosos agora precisavam demitir seus funcionários.
Algo precisava ser feito, a única maneira de retomar o controle seria paralisar as economias do mundo (um povo empobrecido é mais fácil de manipular), cuspir para fora do tabuleiro todos os líderes políticos que se opusessem ao plano, e extrair do coletivo sem piedade o elemento da coragem, eliminando a individualidade da equação, fazendo o povo sentir medo, muito medo, e, claro, o novo manual de regras estabeleceria que as únicas fontes seguras de informação durante a crise falsa seriam (adivinha?) os veículos de imprensa moribundos, o respeito ao jornalismo canalha seria imposto artificialmente, qualquer voz contrária (a verdade defendida por jornalistas independentes) seria violentamente calada, automaticamente checada como “falsa”.
Poucos meses de execução do experimento de engenharia social bastaram para que os povos se transformassem em ovelhinhas apavoradas que acatam sem questionamento cabrestos ilógicos, incoerentes e danosos. A liberdade tão almejada foi entregue de bandeja, apenas aqueles que tomaram a “pílula vermelha” seguem lúcidos, com brio, um punhado de guerreiros lutando por um futuro livre.
Não, esta não é exatamente a trama de “Matrix”, mas é incrível como a obra de Lana e Lilly Wachowski, produzida por Joel Silver, lançada em 1999, reflete fielmente o mundo distópico de 2020.
“Acorde, Neo…”
Eu me recordo vividamente da sensação que tive ao ver pela primeira vez este filme, na semana de estreia, uma catarse poucas vezes igualada, similar ao impacto de “De Olhos Bem Fechados”, de Kubrick, ou, na literatura, trabalhos de mestres como George Orwell, Aldous Huxley e William Gibson, de quem pegou emprestado o termo “Matrix” (do livro “Neuromancer”), como se estivéssemos vendo escondidos pelo buraco da fechadura algo que não devíamos saber, algo que não sabíamos explicar racionalmente, mas que sentíamos ser genuíno.
É uma aventura cyberpunk frenética, com muito tiroteio, cenas coreograficamente brilhantes de artes marciais e uma utilização embasbacante do bullet time, recurso plasticamente inebriante que revolucionou o gênero de ação, mas o aspecto realmente fascinante que a torna ainda eficiente é a força filosófica da mensagem, alicerçada no conceito por trás das duas pílulas, azul e vermelha, a primeira, garantia de um retorno tranquilo ao conformismo vegetativo oferecido pelo sistema, a segunda, a compreensão exata da brutal realidade por trás dos panos.
Quem está disposto a encarar a informação que desconstruirá tudo aquilo que ficou engessado na formação da psique humana?
Ao optar pela pílula vermelha, Neo transcende inclusive as limitações autoimpostas (simbolismo da capacidade de voar, que ele alcança no desfecho), formando com Trinity (Carrie-Anne Moss) e Morpheus (Laurence Fishburne) uma equipe que age nas sombras, alheia à percepção dos zumbis adestrados, caminhando entre bugs da máquina, enfrentando incansavelmente os silenciosos Agentes, liderados por Smith (Hugo Weaving), manifestações da inteligência artificial totalitária, logo, limitados pela própria programação, servos do “Grande Irmão” orwelliano.
“Matrix” é, acima de tudo, uma história sobre o poder transformador da escolha e, por conseguinte, o peso de sua responsabilidade.
Uma fábula instigante com tons religiosos sobre a necessidade de lutar pela liberdade, tesouro inegociável que através das eras permanece no fio da navalha, algo que requer eterna vigilância.
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