Mulheres Diabólicas (La Cérémonie – 1995)
Sophie, uma mulher eficiente, mas fria e calculista, vai trabalhar como empregada doméstica para a exigente senhora Lelièvre. Um dia, conhece Jeanne, uma funcionária muito intrometida dos Correios, e ambas começam uma relação criminosa.
Quando se fala em filmes que lidem com a questão da luta de classes, você consegue citar algumas obras-primas, como “Mulheres Diabólicas”, “Norma Rae”, “Ladrões de Bicicleta”, “A Batalha de Algiers” e “Taxi Driver”, algumas variações criativas, como “V de Vingança”, “Metrópolis”, “1984”, “Brazil” e “Laranja Mecânica”, ou até mesmo histórias que reduzem o tema à caricatura simplista e intelectualmente desonesta que parece escrita por uma criança, como o brasileiro “Que Horas Ela Volta?”
Aliás, vale ressaltar que este último bebe bastante da fonte de Claude Chabrol na forma como estrutura a crescente animosidade entre os patrões e a empregada, claro, sem qualquer traço da coragem do roteiro do mestre francês, que adapta inteligentemente o livro “A Judgement in Stone”, de Ruth Rendell, com inspiração perceptível também no caso real das irmãs francesas Christine e Léa Papin, ocorrido na década de 30. É o meu filme favorito do diretor, seguido de perto por “O Açougueiro” e “Trágica Separação”.
A sua usual crítica aos burgueses é citada ironicamente por Jacqueline Bisset, que interpreta a patroa, em um dos excelentes documentários que a distribuidora Versátil incluiu no lançamento, quando ela afirma que considera curioso o fato de que Chabrol, um homem que adota confortavelmente o estilo de vida burguês, odeie tanto a burguesia. Uma pérola argumentativa que evidencia a função do cineasta como voyeur de si mesmo.
Ao buscar na estação de trem sua jovem empregada (Sandrine Bonnaire), a patroa não percebe que ela havia chegado mais cedo e estava esperando em outra plataforma.
O espectador descobre junto com ela, já que a personagem estava propositalmente fora do enquadramento, um recurso sutil que agrega um elemento arrepiante à introvertida jovem, estabelecendo desde o início os alicerces psicológicos que irão possibilitar a virada de mesa que ocorre no terceiro ato.
O roteiro revela espertamente que ela é analfabeta, algo que a constrange profundamente, uma condição que dificulta sua autopercepção como indivíduo relevante na sociedade.
Ela tem uma mancha criminosa em seu passado, o que a aproxima ainda mais de sua nova amiga, a espevitada Jeanne (Isabelle Huppert), que também esconde um segredo macabro. Esta inusitada relação, onde as carências são gradativamente suprimidas pela preparação do ritual de destruição do opressivo status quo, acaba sendo responsável por acionar o gatilho libertário e inconsequente na mente de Sophie.
As duas são mostradas em uma cena silenciosamente perturbadora, sentadas no chão vendo a televisão, de braços dados em um enlace quase cronenberguiano, gêmeas de alma, uma postura visualmente antinatural que prenuncia os atos extremos que serão cometidos no impactante desfecho, emoldurado coerentemente por uma sessão televisiva da ópera “Don Giovanni”, de Mozart, grande paixão cultural dos patrões.
Para Sophie, em sua mente corrompida pelo vitimismo, o casal tem aquela quantidade absurda de livros na biblioteca para provocar a jovem, já que ela acredita que ninguém leria aquelas páginas todas por puro prazer.
Da mesma forma, incapaz de compreender a fascinante beleza da ópera, ela decide usar como revide o som brutal dos disparos de um rifle. Chabrol em seu momento mais genial.
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