Críticas

“Berlin Alexanderplatz”, de Rainer Werner Fassbinder

O diretor alemão Rainer Werner Fassbinder nutria pelo livro homônimo de Alfred Döblin (considerado por alguns literatos como o equivalente alemão da obra “Ulisses”, de James Joyce) uma profunda admiração, enraizada desde sua juventude. Inspiração expressada inclusive em seu primeiro filme: “O Amor é mais Frio que a Morte” (1969), em que viveu um personagem com o mesmo nome do protagonista da obra.

Ao longo de sua carreira, sempre buscou aprofundar-se nas razões que moviam personagens rejeitados pela sociedade, emulando a forma como Döblin trabalhou seu livro, desnudando camadas psicológicas de todos os elementos que compunham o dia a dia do anti-herói Franz Biberkopf, incluindo todas as pessoas com quem se relaciona. O sonho antigo de capitanear o hercúleo esforço de transpor o livro para a linguagem que dominava, realizou-se no final da década de 70, com um projeto em larga escala (quinze horas e meia) para a televisão.

Composto por treze capítulos e um epílogo, “Berlin Alexanderplatz” (1980) será analisado buscando essencialmente incentivar o desejo no leitor de conhecer este belo trabalho.

Capítulo 1 – O Castigo Começa

Ficamos conhecendo Franz (Günther Lamprecht) no exato momento em que ele é levado a reintegrar-se à sociedade, ainda com suas pernas trêmulas e uma fotossensibilidade que reflete o choque do pássaro ao ver aberta sua gaiola. De início não conhecemos as razões que o levaram ao confinamento forçado, somente nos envolvemos empaticamente com sua fragilidade emocional, evidenciada pela forma com que grita seu angustiado silêncio.

Um olhar para seu esperançoso recomeço é o bastante para que suas pernas procurem o conforto da prisão, com suas paredes que oprimem e nas quais já havia se acostumado a amparar em longos quatro anos. A sua expressão é de uma criança cuja ingenuidade havia sido corrompida pela maturidade. Os seus primeiros passos são desajeitados, mas sua convicção mostra-se firme: ele deseja apenas fazer o bem, nunca mais errar.

Personagens começam a confrontá-lo em seu caminho, como o judeu atencioso que procura motivá-lo com um conto inspirador (que se mostra bastante realista em seu infeliz final). O curioso é notar que enquanto a narração percorre pelas conquistas de seu herói, Franz demonstra abalo e tristeza, mas no momento em que a trama adentra os percalços e a tragédia, o homem parece reviver em si mesmo.

Ao ver-se na miséria do protagonista do conto, Franz passa a acreditar que sua redenção é possível, que a esperança pode alcançar até mesmo os mais falhos e medíocres. Com sua moral parcialmente restabelecida, ele busca agora reafirmar-se como homem (sexualmente), mas não logra sucesso nos braços de uma mulher da vida, que debocha de sua impotência. A narrativa até este momento já havia apresentado uma cena muito rápida e eficiente que explica este fracasso amoroso, assim como insinua a razão que o levou ao encarceramento.

Quando em um de seus passeios ele vislumbra uma foto de uma jovem, a ágil edição intercala duas breves cenas: o seu beijo apaixonado em um pescoço e, radicalmente oposta, um violento bofetão, desferido no rosto da mesma garota, Ida (Barbara Valentin). Posteriormente encontramos uma foto da jovem emoldurada na casa de sua irmã Minna (Karin Baal), que recebe uma inesperada visita de Franz, fazendo-a relembrar a relação que mantinham outrora.

Ele revive Ida em sua irmã, retomando sua confiança romântica. Segue-se uma narração fria de como o ato de violência no passado havia sido cometido, estabelecendo o crime como algo facilmente compreendido (simplificado) pela resolução de uma equação física (que aparece em forma de intertítulos).

O final do episódio representa a gênese de um homem renovado reintegrado em sua sociedade. Após reencontrar um velho amigo (fazer as pazes com seu passado) e conquistar o apreço de uma bela jovem (reafirmando-se como homem), consegue até mesmo reverter um difícil obstáculo: tido pelas autoridades policiais como uma ameaça à sociedade, ele recebe oficialmente um aviso de que não pode transitar livremente em seu país.

O Franz do início do episódio teria desistido, mas não é o que ocorre. A solução que encontra: manter-se trabalhando, sendo monitorado de perto pelas autoridades. O caminho não será fácil, mas sua obstinação o conduzirá adiante. Ele enfim sente-se seguro para gargalhar.

Capítulo 2 – Como Viver quando não Queremos Morrer?

O tema dominante do capítulo é como o ser humano resiste em ser engolfado em um ambiente em que a maldade predomina. A Alemanha pré-ascensão de Hitler, com um povo financeiramente destruído, aceitando humilhar-se em troca de algumas moedas. Franz representa este povo, como na cena em que permite que Lina tome decisões por ele, destruindo as revistas eróticas do jornaleiro. A maneira como a câmera o posiciona, quase como uma criança de castigo no canto do quarto, enquanto assiste sua mulher agir, denota o dedo de Fassbinder apontado para a passividade do povo alemão de outrora.

Emociona a determinação do protagonista em manter-se íntegro, recusando propostas de trabalho ilícitas e aceitando com humildade (e até ingenuidade) serviços em que depende exclusivamente da sorte. Quando aceita vender jornais de propaganda nazista, não entende o que está fazendo, recitando diálogos memorizados sobre a ideologia por trás da suástica. Ele aceita carregar a marca nazista no braço, mas não sente seu peso moral, sente-se feliz por não estar roubando. A discussão que trava com um trio de comunistas e um vendedor de salsichas judeu parte desta incompreensão.

A melíflua narração em off cita trechos retirados do livro de Alfred Döblin, que aliados ao propositalmente antinatural movimento de câmera (que pausa a cena e percorre-a em 360 graus), parece sublinhar a artificialidade do debate defendido apenas por vaga retórica. Ambos (comunistas e fascistas, ideologicamente irmãos siameses) apresentam discursos sem nenhuma pungência, como bonecos nos joelhos de ventríloquos que não ousam aparecer (uma realidade mundial ainda hoje na relação entre políticos e militantes).

Capítulo 3 – Uma Martelada na Cabeça pode Ferir a Alma

Franz continua buscando manter sua retidão de caráter, aceitando a ajuda de um amigo de Lina, começando a vender cadarços de porta em porta.

O problema é que este amigo: Otto (Hark Bohm), não compartilha o senso moral de Franz (mesmo seguindo preceitos cristãos, como o roteiro salienta em sua cena de apresentação, quando Franz chega a imaginar-se parte daquelas belas frases lidas no jornal católico), aceitando ser engolfado na lama que o circunda. Em seu primeiro dia, o perseverante protagonista é atendido por uma bela viúva, que acaba utilizando-o para suprir sua carência emocional (o recente falecimento do marido e a crise financeira), recompensando-o financeiramente.

Franz não questiona, pois ele não roubou aquele dinheiro, continuando firme em seu objetivo. Otto reconhece sua malícia nos olhos do colega e parte em direção à porta da viúva, expondo mais um dedo de Fassbinder em direção à hipocrisia nos religiosos. Ele recrimina-a com um discurso moralista, por sua aventura romântica, mas não vê problema algum em roubar seus poucos pertences de algum valor, enquanto agride-a verbalmente.

A decepção com Otto faz Franz questionar sua batalha interior por manter-se honesto, levando-o a um total desequilíbrio emocional. Ele rompe todos os laços com a humanidade, fugindo para dentro de si mesmo aos olhos de todos.

Episódio 4 – Um Punhado de Gente nas Profundezas do Silêncio

Um dos méritos de Fassbinder nesta obra monumental é o inconformismo com os padrões narrativos. O ritmo e o tom modificam dependendo do objetivo do episódio. Enquanto que o capítulo seguinte passa como um trem-bala, pois os acontecimentos agarram o espectador e o mantém atento, neste somos brindados por um profundo estudo do personagem, com os minutos mais longos e uma sensação de angústia que somente se resolve nos segundos finais.

Franz está em seu período mais sombrio, entregue às ilusões do inebriante álcool, preso em seu inferno pessoal, em que descobre que os homens são como os animais, submissos à sua própria ignorância. Simbolizando este conceito, uma sequência extremamente gráfica mostrando um homem vestido apenas com trapos feitos de restos de animais (sua imagem, com longa barba branca, nos remete ao Deus ocidental), que carrega uma ovelha até um matadouro, dando-lhe carinho antes de sacrificá-la, cortando o pescoço e deixando verter seu sangue.

Nosso frágil protagonista é visto sempre acompanhado do enigmático e mefistotélico Baumann (vivido por Gerhard Zwerenz), que insiste em chamá-lo de Jó, o personagem bíblico que é escolhido por Deus para uma série extenuante de testes de fé, sendo retirado do seio de sua família (o uso frequente de um coral ao longo do episódio reforça este tema).

Franz ao final, após resignar-se ao convívio com um punhado de gente das profundezas do silêncio, encontra nos braços da mulher da vida Eva (vivida por Hanna Schygulla) uma proposta de estabilidade emocional, levando-o a encarar novamente os olhos da sociedade, sem subterfúgios.

Episódio 5 – Um Ceifador com a Violência de Nosso Senhor

Franz viveu experiências traumáticas, mas ainda se mantém bastante ingênuo, pois aceita em seu convívio a figura de Reinhold (vivido por Gottfried John), alguém que irá fazê-lo novamente ir contra suas convicções de manter-se “limpo” em uma sociedade cada vez mais degradante.

Aceitando uma parceria espúria, fica responsável por “salvar” Reinhold de suas mulheres, para que ele fique livre para novos contatos. O problema é que após conquistar a paixão da mulher, Franz precisa fazer com que ela o odeie, para que a mesma decida sair de sua vida e buscar outro amante. A primeira vítima é o reflexo de Franz no espelho da vida, coerentemente chamada de Fränze (vivida por Helen Vita), compartilha com nosso protagonista a aparência física e a conduta perante o mundo. Ao trair cruelmente sua confiança, Franz trai a si próprio.

Episódio 6 – O Amor Tem Seu Preço

Franz recusa-se a participar novamente do jogo amoroso de Reinhold, tentando fazê-lo entender que ele deve valorizar sua nova namorada. Mesmo após deixar claro que ele está imbuído das melhores intenções, o enigmático homem se revolta e passa a tratá-lo de forma bastante diferente. Ingênuo, Franz acaba aceitando trabalhar para o gangster Pums (Ivan Desny) e participa de um assalto noturno em uma casa, ignorando até o último momento o objetivo.

Quando descobre que está servindo de capacho em um ato criminoso, começa a se questionar em desespero. O sentimento de culpa é retratado pelo uso da fotografia, sufocando-o em escuridão e sombras. Novamente ele havia sido traído, porém desta vez ele levaria para sempre uma cicatriz (desta vez, externa) para que sempre fosse lembrado do erro. Na fuga, Reinhold em uma atitude intempestiva e passional, sabendo que Franz nunca iria delatá-lo (esta segurança lhe parece mais cruel), empurra-o para fora do carro, causando um acidente que extirpará um braço do homem.

Ainda assim, a narração afirma ao final que não existe motivo para o desespero, como se buscasse mostrar que não existe tragédia insuperável para o espírito humano.

Episódio 7 – Lembre-se: Um Juramento Pode Ser Amputado

Neste episódio, Fassbinder continua experimentando mudanças radicais de tom, sempre quebrando as expectativas. Focando-se na recuperação de Franz, inseguro novamente por ter seu braço amputado, a trama entrega um dos momentos mais curiosos da obra, envolvendo Eva, Franz e Bruno (Volker Spengler), um dos membros da gangue de Pums.

Acreditando que Franz está sendo ameaçado pela gangue, Eva perde o controle emocional e explode (no que se assemelha a uma comédia burlesca) ao suspeitar que Bruno esteja buscando sua pistola no bolso da calça. O clima austero predominante então é substituído por uma encenação à la Vaudeville, com os atores exagerando nos gestos e reações.

Pouco depois acompanhamos Franz em uma visita a uma “rua do pecado”, onde recebe como guia um típico personagem felliniano (com cartola e capa), que o faz notar mulheres da vida que chicoteiam seus possíveis clientes, enquanto sussurra promessas de desejos satisfeitos. A cena é claramente onírica (caberia perfeitamente em um filme de Fellini) e simbólica.

Franz recusa a tentação e se refugia em um bar, onde conduz uma hilariante (ainda que essencialmente triste) conversa com três taças de cerveja e um copo de aguardente. Desesperado, acaba cruzando o caminho de um trambiqueiro em um bar e, havendo perdido qualquer esperança na bondade humana, desiste de se manter íntegro (amputa seu juramento), aceitando trabalhar para ele.

Episódio 8 – O Sol Aquece a Pele, Mas às Vezes a Queima

Já nos primeiros minutos percebemos que estamos diante de um novo Franz. Na mesa do bar, debocha das manchetes do jornal (sua atitude era sempre sóbria ao lê-lo em voz alta, como mostrado em episódios anteriores), que citam uma tragédia familiar em que o marido afogou seus três filhos, após saber do falecimento da esposa.

A reação de Franz assusta o dono do bar, que afirma nunca tê-lo visto desta forma. Parecendo querer compensar o braço amputado (e o ego ferido) com o esbanjamento advindo de seu novo trabalho informal, somos levados a crer que nunca mais veremos aquela ingenuidade em seu olhar. Neste momento o roteiro introduz a “bailarina de caixinha de música” (a iluminação e a trilha reforçam este aspecto): Mieze (Barbara Sukowa), uma jovem indicada por Eva, como possível nova namorada de Franz.

A sua entrada modifica a fotografia (simbolizando a esperança que ela representa), que se afasta dos tons escuros e abraça uma nova paleta de cores radiantes. A inclusão frequente dos intertítulos, salientando a ternura que envolve o casal, estabelece um romance quase fabulesco (contrastando incrivelmente com o tom do projeto até aquele momento). Obviamente que a alegria dura pouco e as breves tomadas externas ensolaradas são substituídas pela claustrofobia, quando Franz descobre que a jovem está se vendendo.

No exato momento em que descobre que está sendo novamente traído, Fassbinder resgata o flashback de seu homicídio, evento que destruiu sua vida no passado e que parece sempre voltar para assombrá-lo.

Episódio 9 – Das Eternidades entre os Muitos e os Poucos

Após a dor de saber que Mieze estava se vendendo, Franz busca algum conforto na presença daquele que foi um dos responsáveis pelo seu acidente: Reinhold. Inicialmente assustado, acreditando se tratar de alguma vingança, logo debocha do sofrimento de Franz, afirmando ter nojo de aleijados, seres que, em suas palavras, são imprestáveis e deveriam ser eliminados. O pobre homem não somente aceita suas duras palavras, como afirma concordar com ele.

Reinhold reflete a atitude de Hitler, que desprezava os deficientes físicos, numa clara demonstração do tipo de pensamento que possibilitou a ascensão do nazismo naquela sociedade. O flashback da eliminação de Ida pelas mãos de Franz neste episódio é repetido duas vezes, com diferentes narrações em off. O reforçar deste momento pivotal serve para mostrar ao espectador que aquele homem que nós acompanhamos, falível e simpático, também é capaz de cometer atos terríveis.

A segunda narração, uma conversa lúdica entre os personagens bíblicos Abraão e Isaac, aborda diretamente o tema do sacrifício, recorrente ao longo de toda a produção. Fassbinder trabalha o conceito de que no capitalismo, as classes inferiores se sacrificam pelo bem das superiores. Algo que se intensifica no segundo ato do episódio, em que Franz e Willy vão a um encontro político socialista.

Episódio 10 – A Solidão cria Rachaduras de Loucura até nas Paredes

Mieze e Eva, as duas mulheres mais importantes na vida de Franz, iniciam o episódio com uma discussão que esconde insinuações de romance. Mieze quer que Eva tenha um filho com Franz, já que ela não pode ser mãe. Enquanto isso, o protagonista se encontra cada vez mais imerso em sua autocomiseração, entregando-se à bebida. O cenário busca remeter ao estado psicológico em que Franz estava quando eliminou Ida. Fassbinder filma como um voyeur o embate romântico entre Franz e Mieze, que se inicia com os dois bebendo e rolando pelo chão, até momentos em que pensamos que ele irá deixar a fera dentro de si despertar.

A forma como a cena é trabalhada, os movimentos pelo cenário remetem a algo animalesco. Então é inserida neste contexto a presença do rico cliente da jovem, que está interessado em torná-la uma amante fixa. Franz chora como uma criança, evidenciando em suas palavras o retrocesso de qualquer progresso psicológico que havia sido feito desde sua saída da prisão. Entregue ao álcool e novamente trilhando o caminho do crime, ele precisa apenas de um gatilho para destravar a fera que estava adormecida.

Episódio 11 – Saber é Poder e Deus Ajuda a quem Cedo Madruga

Em um gesto que insinua a homossexualidade entre o protagonista e Reinhold, Franz o leva para sua casa e o esconde debaixo dos lençóis de sua cama, para que ele visse seu encontro com Mieze, uma mulher decente. Além desta cena, existe outra na qual o subtexto é latente, quando Reinhold conversa com Mieze e diz que Franz e ele já compartilharam “coisas estranhas” no passado. A forma como ele diz a frase, demonstra que existia mais do que as mulheres que ambos compartilhavam nos episódios anteriores.

Franz encontra o gatilho já citado, na forma de um novo amor para Mieze, o jovem sobrinho do seu rico amante. Quando ela lhe informa sobre seu encontro, o homem perde completamente o controle (sendo visto por Reinhold, que se escondia na cama), espancando a mulher. A cena é trabalhada pelo diretor, para emular exatamente a cena da eliminação de Ida, desde a forma como o corpo da jovem é atirado ao chão até a escolha da iluminação, inclusive com a presença da senhora proprietária, que vigiava à distância.

Interrompida por Reinhold, a violência conduz ao momento catártico em que Mieze explode em berros que vão gradativamente aumentando, até sua voz falhar.

Episódio 12 – A Cobra na Alma da Cobra

O episódio de estrutura simples simboliza a suprema vitória de Reinhold sobre Franz, com Fassbinder demonstrando seu talento em subverter expectativas. Inicia de forma tranquila, com Franz e Mieze redescobrindo aquela paixão que os tocou quando se conheceram.

O jogo entre os dois é animalesco, nada racional, assemelhando-os a um cão e uma cadela que se perseguem pela rua. A jovem sempre foi mantida distante de qualquer associação com os negócios escusos de Franz (ela simboliza inocência e bondade, que devem ser preservadas), mas a relação entre os dois experimenta liberdade tão infantil, que ele revê seus conceitos e decide inseri-la na sua vida profissional. Colocando-a no alvo de Reinhold, Franz entrega sua alma em uma aposta traiçoeira.

Reinhold sente ciúmes de Franz, invejando a alegria nos olhos de Mieze. Como um predador, ele leva a jovem para a floresta, bem distante dos olhos de Franz. Ocorre então um jogo de interesses, com a jovem buscando informações sobre o amado (ela percebe que Reinhold sabe mais sobre ele), enquanto o predador deseja apenas a carne de sua vítima. O ódio dele aumenta ao entender que ela poderia passar horas com ele, até amá-lo por dias e noites, mas que jamais iria abandonar Franz.

Avançando sobre ela com a ferocidade de um animal, leva suas mãos ao pescoço dela, com o poder de suas emoções reprimidas exaurindo-a do ar. Mieze, o elemento de graciosidade que mantinha Franz íntegro, acabava de ser eliminada.

Episódio 13 – O Externo e o Interno e o Segredo do Medo do Segredo

Franz está desolado, pois acredita que Mieze o abandonou. Reforçando a ideia de homossexualidade reprimida, Fassbinder mostra o robusto homem maquiado, como que se buscasse se tornar Mieze. Na sequência, uma longa conversa entre os membros da gangue é coreografada no peculiar estilo do diretor, abordando os planos para o maior assalto de suas vidas.

No desfecho, o círculo se completa. A tragédia de Franz, que se iniciou com a eliminação de Ida, agora termina com a eliminação de Mieze. Ele descobre sobre o crime ao ler no jornal (trazido por Eva), mas surpreendentemente aparenta alegria, por entender que ela não o abandonou em nenhum momento. Após o choque inicial ao ver sua foto e a de Reinhold no jornal (insinuando que ambos são procurados pelo crime), sofre um colapso emocional e gargalha ao escutar o som de sua própria voz afirmando que Reinhold é sua propriedade. O que era subtendido, agora se revela sem medo.

Epílogo – Meu Sonho do Sonho de Franz Biberkopf, de Alfred Döblin

Esteticamente diferente de todos os episódios, Fassbinder decide fechar sua Magnum Opus com uma onírica viagem (em sua ótica, como bem representado em uma cena em que ele aparece) pelo subconsciente devastado de Franz, que (no tempo presente) passa seus dias em um hospício, fazendo-o revisitar os acontecimentos ao lado de dois exóticos anjos.

Em seu sonho, tudo o que estava escondido aparece em forma de esquetes surreais, deixando claro seu sadomasoquismo latente (na cena em Reinhold o chicoteia, ou no momento em que uma luta de boxe termina com um beijo) e a homossexualidade reprimida de Reinhold, assim como a relação de amor/ódio entre ele e as mulheres (cena romântica entre ele e um colega na prisão). O episódio segue então para o momento com simbologia mais forte, quando Franz é (numa excelente metáfora) abatido como um animal em um abatedouro.

Ele já estava predestinado a ser abatido pela sociedade, que não deixaria impune ou perdoaria um criminoso. Musicalmente, o episódio é totalmente diferente dos anteriores, que eram acompanhados por uma solene música instrumental (composta por Peer Raben). Leonard Cohen, Janis Joplin, Elvis Presley (cantando “Santa Lucia”) e Velvet Underground são alguns dos nomes que emolduram o fascinante epílogo. Após uma poderosa cena evocando a crucificação de Cristo, Franz renasce. Ele agora é um medíocre (detalhe importante, salientado na narração) porteiro, que apenas vê o caminhar tortuoso de seu povo, aceitando tudo o que é imposto a ele pela sociedade.

“Berlin Alexanderplatz” é um maravilhoso estudo de personagem que deve ser visto por todos aqueles que amam a Sétima Arte.

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Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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