Vozes e Vultos (Things Heard and Seen – 2021)
Depois de trocar a cidade grande pelo interior, uma mulher (Amanda Seyfried) descobre que seu marido (James Norton) e sua casa nova escondem segredos sinistros.
O casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini atraiu a atenção dos cinéfilos em 2003, com o ótimo “Anti-Herói Americano”, mas infelizmente entregou nos anos posteriores alguns projetos bastante fracos, como “O Diário de Uma Babá” (2007), “Os Acompanhantes” (2010) e “Minha Vida Dava Um Filme” (2012).
A mudança temática de ares, abraçando o terror gótico atmosférico, reflete no resultado superior de “Vozes e Vultos”, baseado no livro “All Things Cease to Appear“, de Elizabeth Brundage, um elegante conto de fantasmas, ambientado no início dos anos 80, que não se debruça no desgastado recurso das jump scares.
Na mesma linha do recente “O Homem Invisível”, utiliza as convenções do gênero como alicerces para discutir um tema intensamente humano, viés que se exibe no segundo ato e que, graças à competente construção de suspense, ao contrário do citado, não se perde no panfletarismo barato. E, vale destacar, um dos pontos mais interessantes do roteiro é exatamente algo que pode incomodar muitos, principalmente aqueles imediatistas que esperam sensorialmente mais do mesmo, ele te confunde até o fim, subvertendo suas expectativas, desafiando a cada passo o seu conceito de reviravolta narrativa.
Um dos aspectos mais eficientes é a escalação da bela Amanda Seyfried, que transmite bem no olhar a indisposição social/matrimonial que também se manifesta fisicamente, com sintomas claros de bulimia, terreno propício para codificar o elemento sobrenatural que é apresentado formalmente pelo personagem do grande F. Murray Abraham, que presta reverência direta aos trabalhos na área do cientista e filósofo sueco Emanuel Swedenborg, que inspiraram Allan Kardec.
Há uma sequência de séance que se permite abusar da computação gráfica, algo que considero desnecessário, já que a sutileza estabelecida desde o início favorece as camadas de interpretação da obra, mas não é um problema grave.
O maior mérito do filme é entender que o medo se esconde nas sombras, no que não se vê, que pausa também é música, e, claro, que o arrepio da estranheza é mais impactante que o choque do susto, o segundo é rapidamente esquecido, enquanto que o primeiro segue perturbando a mente após a sessão.
“Vozes e Vultos” é pretensioso, sim, imperfeito, mas é, acima de tudo, fascinante.
Cotação:
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