Críticas

“Portal da Carne”, de Seijun Suzuki

A ascensão da televisão no início da década de 60 fez com que toda a indústria de cinema sofresse um abalo, com os produtores buscando formas de atrair o público. Shintoho, um dos seis grandes estúdios japoneses, não aguentou a crise e abriu falência. A Toei apostou na desconstrução dos mitos com roteiros que abordavam a yakuza de forma mais violenta e cínica.

A Toho conseguiu sobrevida focando na ficção científica, com Godzilla e outros monstros. Já a Nikkatsu arriscou com jovens diretores autorais, que tinham um estilo bem ousado, como Seijun Suzuki, ainda que ele tenha sido despedido alguns anos depois por realizar projetos considerados ousados demais na visão dos seus superiores.

Ele, com sua rebeldia elegante ao desprezar seguir moldes narrativos, fez parte da chamada “Nova Onda” japonesa, cineastas que, assim como os franceses do mesmo período, faziam uso de novas técnicas, abusando de edição e enquadramentos antagônicos à tradição dos mestres de outrora, explorando temas espinhosos, criando alegorias críticas da sociedade do pós-guerra.

Portal da Carne (Nikutai no Mon – 1964)

Após a Segunda Guerra, nas favelas de Tóquio, algumas mulheres da vida adotam um código estrito de conduta.

O nível de degradação moral segue impactante como na época de sua estreia, acompanhando a rotina de um coletivo de personagens destituídos de qualquer senso de empatia no cenário deprimente do pós-guerra. Os ritos sadomasoquistas de punição para aquela que se deitar com alguém por amor, erotismo transgressor, são os responsáveis por manter alguma espécie de ordem social no decrépito esconderijo bombardeado das mulheres da vida.

O veterano de guerra que invade o local e acaba ganhando a simpatia delas, decepcionado em alto grau com a condição humana, já que viveu um período anterior mais civilizado, decide viver apenas estimulado pelos instintos primitivos básicos da fome e do sexo. A viúva que veste quimono, a única no local que também conheceu uma época mais digna, sendo forçada a vender seu corpo para sobreviver, sonhando com alguém que a possibilite a liberdade pelo casamento, acaba permitindo que um estranho gentil fique sem pagar, o que causa a revolta das colegas.

Nestes dois personagens fascinantes, os resíduos de outrora travam conflito constante com a realidade opressora e desesperançada. Na utilização de efeitos de superimposição e no uso das cores berrantes, traduzindo a personalidade distinta de cada uma das mulheres no local, você percebe a característica inventividade do diretor, desta vez, mais interessado em contar sua história, do que em utilizar ela como desculpa para suas experimentações visuais.

  • O filme não está em plataformas de streaming, mas você encontra em DVD e, claro, garimpando na internet.
Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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