Críticas

“Nascido Para Matar”, de Stanley Kubrick, na HBO MAX

Nascido Para Matar (Full Metal Jacket – 1987)

O soldado Davis (Matthew Modine), batizado de “Piadista” pelo sargento linha-dura Hartman (R. Lee Ermey), suporta os rigores do treinamento básico e tenta ajudar o ridicularizado colega Lawrence (Vincent D’Onofrio). Na preparação, Hartman emprega métodos abusivos para transformar seus recrutas em verdadeiras máquinas de guerra. Lawrence não aguenta a pressão, mas Joker se forma no Corpo de Fuzileiros Navais e é enviado para o Vietnã como jornalista, cobrindo e, eventualmente, participando da sangrenta Batalha de Hué.

Este filme é tido por muitos, até por admiradores apaixonados do mestre Kubrick, como uma obra menor em sua carreira, mas considero um equívoco grosseiro de percepção, aliás, a fase pós-“2001” é extremamente rica em simbolismo, terreno fértil para todos aqueles que já tomaram a “pílula vermelha” e entendem os bastidores das explorações artísticas do diretor.

Não é um filme de guerra, nem sobre guerra, o objetivo é mostrar o teatro da Guerra do Vietnã, para isto, ele divide claramente a experiência em dois atos, a mudança de tom é tão forte que faz parecer dois filmes diferentes, o primeiro mostrando o caos organizado na preparação dos soldados, o segundo, o caos incontrolável do combate.

A opção sensorial evidencia o desejo de Kubrick em reforçar na mente do espectador o aspecto farsesco, o ensaio dedicado conduz à apresentação no “palco”. O leitmotiv que se declara já na arte do pôster, a dissonância cognitiva de utilizar um broche da paz enquanto elimina brutalmente crianças indefesas, uma análise de como a impávida realidade interfere na construção daquela narrativa política.

E, como o roteiro salienta, apesar do empenho dos “atores” e de seus “professores”, o coletivo não estava preparado para a improvisação. Não há como se preparar para a bestialidade, ela é essencialmente o fruto da ausência de qualquer preparação.

Vale destacar a forma como a trama insere o elemento jornalístico na equação, potencializando a artificialidade na movimentação da câmera, as cenas montadas para transmitir ao público a emoção desejada, os entrevistados exibindo sorrisos mecânicos para a lente após cada frase, aqueles profissionais agindo como “paparazzi” com seus captadores de som, alimentando a indústria.

Os “famosos”, no caso, assim como os artistas, precisam ser tratados como máquinas, precisam ser adestrados, logo, a individualidade é o primeiro elemento que é destruído (perceba que o filme inicia mostrando longamente os cabelos dos jovens sendo raspados, a negação dos traços característicos na persona). Uma das cenas mais lembradas é o desfecho em que, pressionados ao extremo, os soldados resgatam internamente o conforto da infância, logo, a memória da identidade básica, cantando Mickey Mouse.

Davis é o único que luta para manter sua lucidez e sua racionalidade naquele contexto, o “Piadista” que ousou recusar o sinal de comando de seu superior no treinamento, e, toque brilhante, foi recompensado por esta atitude.

A sua jornada de resistência é desafiada na sequência final, quando, contrariando sua convicção, ele toma uma decisão sem volta, eliminando uma mulher, ritual que é acompanhado pelo design de som que, sutilmente, evoca o momento em que seu colega, Lawrence, transtornado, deu fim à própria vida, preciosa rima sonora.

No frigir dos ovos, o teatro era uma tragédia anunciada em todos os sentidos. A única vitoriosa foi a mentira.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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