Críticas

“A Aventura”, de Michelangelo Antonioni, com MONICA VITTI

A Aventura (L’Avventura – 1960)

O que diferencia um ótimo filme de uma obra-prima atemporal é a ressonância de seu impacto no indivíduo que o vê. Michelangelo Antonioni teve a ideia para “A Aventura” após um passeio de barco com Monica Vitti, com quem o diretor iniciava um relacionamento, e alguns amigos. Após uma típica briga de casal, a jovem aproveitou a primeira oportunidade que teve e saltou para uma ilha.

Quase duas horas mais tarde, ela reapareceu e parecia diferente, como que em paz consigo mesma. Antonioni questionou-a sobre a razão que a fizera passar tanto tempo sozinha em uma ilha deserta, mas suas respostas não apaziguaram sua mente criativa, que logo imaginou as possibilidades metafóricas naquela situação atípica.

Inconformado com os pedidos dos produtores, que exigiam uma obra convencional, o cineasta manteve-se firme em seu propósito: não declinaria de sua proposta para o final e tampouco o editaria de forma mais dinâmica, pois sua intenção era ser o mais realista possível, portanto sua trama se encaminharia de forma morosa e inconstante, como a própria vida. O resultado ressoa profundo em suas múltiplas interpretações, somente impondo-se mais emocionalmente a cada revisitada.

“Sempre senti pena das ilhas, com todo este oceano em volta delas.”

Dentre os vários significados que podemos perceber na obra, aquela que o próprio diretor menciona como seu objetivo principal era o combate à hipócrita moral. A cena final simboliza perfeitamente esta intenção, mostrando que o perdão é a única saída para duas pessoas que se assumem responsáveis por seus erros, ou pelo o que a nossa sociedade considera como algo errado. Antonioni afirma a necessidade de impor o instinto à razão, subjugar os valores morais à naturalidade.

O amor que nasce entre o personagem de Gabriele Ferzetti (Sandro) e Monica Vitti (Claudia) iria ocorrer inevitavelmente, independente do que acontece com Anna (Lea Massari). Assim como o flerte inconsequente entre Sandro e a vulgar Gloria (Dorothy de Poliolo), próximo ao final do filme, representa apenas a supremacia do instinto. Um tema que ainda hoje causaria debates inflamados, mas que Antonioni em 1960 teve a coragem de abordar.

Um momento que demonstra a incrível sutileza por trás do projeto é quando Sandro visualiza o trabalho de um talentoso jovem, que havia desenhado uma torre barroca, remetendo-o diretamente aos seus velhos e esquecidos ideais em sua profissão de arquiteto. A reação impulsiva: propositalmente esbarrar em um pote de tinta, que destrói o trabalho do jovem. Pouco tempo antes, enquanto admirava as construções barrocas do topo de uma igreja, expressava seu descontentamento ao dizer que aquelas construções eram erguidas e desenhadas para durarem séculos, enquanto as de seu tempo são programadas para vinte anos no máximo.

Um profissional frustrado, que escolheu abandonar sua individualidade em favor de um falho molde social. Outro aspecto interessante a ser notado na direção de atores realizada pelo italiano pode ser encontrado no pós-cena. Antonioni mantém a câmera rodando algum tempo após o último diálogo ser proferido, adiando o corte. Aquele breve e precioso momento de confusão em que o personagem dá lugar à consciência do ator, que lentamente volta a dominar.

O filme venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e transformou Antonioni em um nome reverenciado pelos cinéfilos do mundo todo.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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