Críticas

“O Eclipse”, de Michelangelo Antonioni

O Eclipse (L’eclisse – 1962)

“Gostaria de não amá-lo ou amá-lo muito melhor.”

O público é apresentado ao casal, vivido por Monica Vitti e Francisco Rabal, em um momento decisivo de suas vidas. Percebemos em seus olhares fatigados a noite passada insone, os argumentos rebatidos e a frustração por não terem conseguido se comunicar.

A câmera se posiciona sobre a cabeça da mulher, somente para evidenciar que seu marido a olha sem interesse, como se buscasse algo inominável em algum ponto perdido no horizonte, talvez sua juventude. Ela então se percebe no reflexo do espelho e chora angustiada, pois não suporta o choque de realidade.

A razão do conflito não é importante, mas sim a exposição de uma relação decadente, mantida apenas por aparência. Ela busca fugir, simbolicamente abrindo as cortinas que escurecem a sala, somente para descobrir que existe um vidro que a separa da bela paisagem.

Esta referência faz-se presente várias vezes ao longo do filme, como quando Vitti propositadamente esconde-se por trás de uma janela de vidro, separando seus lábios dos de Alain Delon. A proteção advinda do desapego deixou-a mal acostumada, como um pássaro que após viver sua vida em uma gaiola, não consegue sobreviver na natureza.

Um homem perde uma pequena fortuna investindo errado na Bolsa de Valores, caminha lentamente até a mesa de um restaurante e ingere um calmante, enquanto desenha algumas flores no pequeno guardanapo. Este é o habitat do jovem personagem vivido por Delon. Reflete a forma como Antonioni via sua sociedade: caótica.

Os berros se intensificam, até que é pedido um minuto de silêncio pelo falecimento de um dos investidores. Apenas um minuto de silêncio, mas que causa extrema estranheza no espectador. Após tanto barulho, potencializado de forma a causar no espectador um profundo tédio, é impressionante como aquele minuto demora a passar.

Sensação similar é insinuada pelo diretor na longa sequência final, que foi homenageada em “Antes do Amanhecer”, de Richard Linklater, quando somos levados a sentir de forma pungente a ausência do casal, com a câmera atravessando pelos locais onde outrora eles caminhavam.

Sem eles, passamos a perceber outros elementos que se repetem, como a babá e o carrinho de bebê, mas que não havíamos dado atenção. Com o cair da noite, o caloroso elemento humano dá espaço para a frieza da lâmpada do poste de rua, que se acende automaticamente e ilumina um asfalto vazio.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

Recent Posts

Dica do DTC – “Agnaldo, Perigo à Vista”, com AGNALDO RAYOL

No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não…

3 dias ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

5 dias ago

Dica do DTC – “Pedro Páramo” (1967), de Carlos Velo

No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não…

6 dias ago

Crítica de “Megalópolis”, de Francis Ford Coppola

Megalópolis (Megalopolis - 2024) A cidade de Nova Roma é palco de um conflito entre…

1 semana ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na AMAZON PRIME

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

2 semanas ago

FILMAÇOS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

2 semanas ago