Don Juan DeMarco (1994)
Um homem de 21 anos (Johnny Depp) dizendo ser o famoso amante Don Juan vai até Nova York para encontrar seu amor perdido, mas, sentindo que não alcançará seu objetivo, tenta tirar a própria vida. Um psiquiatra (Marlon Brando) consegue convencê-lo a mudar de ideia e começa a tratá-lo. Entretanto, o paciente possui um romantismo irrecuperável e contagioso, que começa a influenciar o comportamento do médico.
O meu primeiro contato com a obra foi na infância, início da década de 90, no VHS da Coleção O Globo no Cinema, a mesma fita em que revi recentemente para este texto.
Eu lembro que fiquei apaixonado pela delicadeza da trama, revia pelo menos uma vez por semana, como leitor inveterado, cognitivamente muito avançado para a idade, já entendia plenamente a beleza da fábula roteirizada/dirigida por Jeremy Leven, lembro até que, meses depois, tive que explicar o desfecho para um adulto grosseirão na locadora de vídeo, a bonita esposa dele ficou impressionada com a minha desenvoltura, e, em minha mente, sonhava acordado, talvez ela estivesse repensando sua escolha romântica.
O profissional cansado, vivido pelo inesquecível Marlon Brando, já cogitando antecipar a aposentadoria, reconhece no jovem enigmático que cruza seu caminho o traço de personalidade efervescente que abandonou em algum trecho da estrada da vida, o elemento da paixão que certamente motivou seus confiantes primeiros passos, aquele olhar puro de criança admirada com cada coisa nova que descobre, o senso de humor leve, a vontade de dançar, agarrar o mundo com fome e saborear cada oportunidade.
As divertidas sequências que mostram, através da percepção cognitiva do ouvinte (toque brilhante, a mudança temporal rápida quando uma informação se mostra incoerente com a narrativa), a construção da realidade mágica que é contada pelo jovem, sem dúvida, ficam registradas na memória do público.
Eu gosto sobremaneira dos momentos que evidenciam como estas histórias afetam diretamente o psiquiatra, não apenas na maneira como ele lida com sua esposa (Faye Dunaway), mas, principalmente, na maneira como ele lida com suas arraigadas noções existenciais.
Quando Don Juan expõe sua dor pela ausência paterna, o olhar do homem emocionado busca o antigo retrato na estante com o pai falecido, o roteiro insinua que ele sente inveja porque a descrição visceral, calorosa, daquela relação, envolvendo até aventuresco duelo de espadas pela honra, provavelmente está muito distante da sua própria memória afetiva.
Ao embarcar na “loucura” do rapaz tão intensamente ligado ao seu progenitor, a criança esquecida que vive no adulto desperta e se debate chorando a saudade daquela figura que ele permitiu que se perdesse no tempo. Ele decide então que não cometeria o mesmo erro com a mulher amada.
O que é fantasia? No mundo em que mentiras grotescas são frequentemente utilizadas para iludir a massa e conquistar objetivos monstruosos, não faz mal criar uma persona inofensiva que, como couraça resistente, facilite o ato de atravessar a brutal experiência humana com dignidade. Todos nós a forjamos em alguma situação do cotidiano.
A linda cena final, na idílica ilha, reforça o aprendizado do psiquiatra, ele escolheu a sua prazerosa realidade, após incentivar o jovem a burlar o mecanismo do sistema (que, claro, prefere o controle lucrativo da doença do que a cura), os dois se libertam definitivamente dos rituais da sociedade.
Don Juan reencontra sua doce doña Ana (Géraldine Pailhas), enquanto Don Octavio del Flores, outrora conhecido como um respeitado psiquiatra, dança alegremente como um menino com a paixão de sua vida.
“Don Juan DeMarco” é um dos melhores filmes da década de 90, infelizmente incompreendido por muitos, esquecido nas prateleiras do tempo, uma obra que definitivamente superestimou a sensibilidade e a inteligência emocional do público.
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Tenho visto e revisitado muitos dos filmes aqui comentados. Belo trabalho!