Neste ano foi mais complicado preparar a minha tradicional lista de 10 Melhores Filmes lançados no Brasil, algo que profissionalmente entrego desde 2008 (e, antes de atuar na área, desde 2002 – você encontra todas as listas no “Devo Tudo ao Cinema”, no tema “TOP”), a qualidade nunca esteve tão baixa, o impecável título que ocupa a primeira posição foi disponibilizado no início de abril, e, algo incomum, não teve nem concorrentes, nenhum roteiro chegou perto de ameaçar sua liderança. Nos últimos dias, graças à internet, consegui prestigiar todos os lançamentos recentes que faltavam, mas, outro ponto curioso, nenhum foi sequer considerado, terminava de assistir e esquecia nos minutos seguintes.
Aproveito o ensejo para desejar uma linda passagem de ano e agradecer pela carinhosa atenção com o meu trabalho. Que 2022 seja mais gentil com todos nós.
1 – Meu Pai (The Father), de Florian Zeller
O leitmotiv da história é representado pelo relógio de pulso do personagem, algo que ele está sempre buscando, a frustração por não conseguir manter uma percepção clara do tempo, projetando sua raiva na constante crença de que foi roubado. Por outro lado, há uma filha dedicada que sacrifica sua vida profissional e amorosa para cuidar dele, outro drama que o roteiro desenvolve com extrema competência, ressaltando sua dor em cenas silenciosas, o olhar lânguido para um casal apaixonado na janela vizinha, a reação impulsiva ao questionamento do marido sobre a cuidadora bonita e jovem, detalhes sutis enriquecidos pela atuação estupenda de Olivia Colman…
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2 – A Escavação (The Dig), de Simon Stone
A forma como a trama utiliza o evento como alegoria para explorar filosoficamente a finitude é plena em beleza e sensibilidade, rimas visuais injetam profundidade em momentos aparentemente simplórios. O real interesse do filme está na escavação da alma de seus personagens. Se o acidente quase fatal com Basil (Fiennes), que é soterrado, desperta nele a compreensão daquele trabalho como uma missão de vida, a constatação médica de que não resta muito tempo para Edith (Mulligan), potencializa nela a valorização do legado…
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3 – Duna (Dune), de Denis Villeneuve
O timing do lançamento é precioso, uma cena sintetiza muito bem uma das mensagens mais fortes da obra, que reflete o esquema desumano e farsesco de engenharia social alicerçado em terrorismo psicológico que dominou o mundo, o teste em que o jovem Paul Atreides insere sua mão direita numa caixa, sendo levado a crer que sentirá tremenda dor. Se ele retirar a mão, ele é informado pela Reverenda Madre Gaius Helen Moriam (Charlotte Rampling) que será imediatamente envenenado por uma agulha que quase toca seu pescoço. Ao vencer seu medo, algo que existia apenas em sua mente, ele descobre que nada havia acontecido com sua mão. O momento é muito tenso nas páginas e Villeneuve consegue transpor brilhantemente a sua essência plena em simbolismo…
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4 – Ataque dos Cães (The Power of The Dog), de Jane Campion
O ritmo é lento, o primeiro ato é intensamente contemplativo, o foco na abordagem psicológica dos personagens pode afastar aqueles que equivocadamente aguardam um faroeste clássico, mas todos que conhecem o livro homônimo original, de Thomas Savage, e a obra da diretora, já sabem que é uma jornada densa, muitos pontos na trama só satisfazem plenamente em revisão (algo a ser celebrado), a catarse é internamente impactante, o efeito da sensacional conclusão se mantém na mente por horas, incita a discussão, em suma, “Ataque dos Cães” é daqueles raríssimos filmes modernos que não são esquecidos minutos depois da sessão, ele, de fato, não termina, parece verdadeiramente iniciar enquanto o espectador reflete sobre a trama…
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5 – Val, de Ting Poo e Leo Scott
A utilização dos vídeos de arquivo é muito sensível, estabelece paralelos tocantes e nada óbvios, demonstrando segurança no ritmo tranquilo em que vai jogando luz nos eventos mais tristes da vida de Kilmer, que, vale ressaltar, corajosamente aceita se despir da vaidade, frequentemente brincando com sua situação física atual. Não há melodrama forçado, o senso de humor do homenageado preenche até mesmo os momentos mais sombrios. Ao se ver impossibilitado de se expressar com desenvoltura, logo ele, alguém tão verbal, canaliza então sua energia no campo etéreo das abstrações visuais, como se tocasse seus dias como um pintor dedicado, com pinceladas vigorosas e silêncios profundos que dizem muito…
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6 – Cry Macho – O Caminho Para Redenção (Cry Macho), de Clint Eastwood
O homem busca reencontrar o sangue nos olhos de quando era menino, o menino tenta substituir a infantilizada bravata vazia pelas ações maduras, leia-se, busca ser homem. E, bonito toque que engrandece o resultado, o ensinamento para os dois é, utilizando o galo de briga como leitmotiv, que a real valentia não se exibe em espetáculos, ela opera na serena constatação de que não há respostas para tudo e, principalmente, que errar é um pedágio fundamental na estrada do autoconhecimento, um tapa com luva de pelica na asquerosa “cultura do cancelamento”. Clint, aos 91 anos de idade, demonstra ser ainda o homem mais corajoso na indústria norte-americana…
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7 – Filhos de Istambul (Kagittan Hayatlar), de Can Ulkay
No seu rosto castigado pelos anos de abandono social, Mehmet mantém o olhar inocente e esperançoso da criança de outrora, o sorriso frágil de quem nunca experimentou uma decepção, detalhes sensíveis que o ator injeta em momentos específicos (mais perceptíveis em revisão), cenas aparentemente comuns, como se, consciente em algum nível da ilusão protetora, ele implorasse por mais uma chance. A dor física (o problema renal) é a lembrança contínua de que seu tempo está acabando, mas é a sua dor psicológica que age como lenta cicatrização para a ferida existencial exposta. A poética e intensamente melancólica redenção de sua jornada é verdadeiramente compreender e fazer as pazes com sua própria vida…
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8 – Oxigênio (Oxygène), de Alexandre Aja
O roteiro da estreante canadense Christie LeBlanc insere eventuais pistas, mas inteligentemente respeita a experiência do espectador, que realmente só começa a entender o mistério nos últimos 30 minutos. A entrega da bela Mélanie Laurent é essencial no resultado positivo, ela, literalmente, carrega o filme sozinha, com a câmera sempre próxima de seu rosto, tornando cada sutil movimento muscular importante no desenvolvimento da personagem, a incógnita a ser solucionada na interação com MILO, a inteligência artificial da câmara…
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9 – Fuja (Run), de Aneesh Chaganty
A estreante jovem Kiera Allen, cadeirante na vida real, possui o carisma de uma estrela confiante, elemento que facilita na necessária imersão emocional, já que conquista rapidamente a audiência, ponto fundamental no desenvolvimento de seu angustiante drama. Ela, dentre tantas heroínas infantilizadas e mediocremente escritas que pululam no cinema atual, exala personalidade forte, conseguindo sucesso na tarefa difícil de enfrentar cenicamente a veterana, muito talentosa, Paulson…
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10 – Liga da Justiça (Zack Snyder’s Justice League), de Zack Snyder
O primeiro ponto essencial que precisa ser destacado é que, em comparação com o filme bobinho lançado em 2017, “Liga da Justiça de Zack Snyder” é uma aventura épica pensada para adultos, que aborda temas complexos, como sacrifício, pais e filhos, processo de luto e culpa, com sequências de ação bastante violentas. O roteiro entende os heróis da DC como mitos modernos, aspecto fascinante, logo, há peso em suas atitudes, eles carregam a responsabilidade do mundo livre nos ombros…
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