O Festival do Amor (Rifkin’s Festival – 2020)
Mort Rifkin (Wallace Shawn) e sua esposa Sue (Gina Gershon) viajam para a Espanha para acompanhar o Festival Internacional de Cinema de San Sebastián. Na cidade, Mort passa a desconfiar que Sue pode estar tendo um caso com um atraente cineasta (Louis Garrel) francês.
Se você ama cinema à moda antiga, leia-se, época em que adultos emocionalmente maduros produziam filmes para um público adulto culturalmente enriquecido, vai se deliciar já nos primeiros minutos de “O Festival do Amor”, com o mestre Woody Allen exibindo sua ferina crítica ao atual estado rasteiro da arte.
A fotografia do grande Vittorio Storaro novamente potencializa o brilhantismo por trás de suas palavras, com a iluminação generosa nas cenas evidenciando a celeridade dos momentos, a importância de se viver cada segundo com o senso de deslumbramento infantil.
Mort expressa para seu analista o seu desânimo com a indústria: “os festivais não são mais o que eram na época em que eu dava aulas na faculdade de cinema, não são mais o que eu ensinava”.
Segundos depois, somos apresentados ao cenário medíocre que ele sinalizou, artistas e jornalistas retroalimentando a miséria existencial no palco da vaidade, o diretor tosco tentando conquistar a loira voluptuosa oferecendo o papel de Hannah Arendt, papos sobre uma “versão do diretor” dos clássicos Três Patetas, um discurso politizado infantilizado do europeu blasé, típica marionete dos globalistas, sobre sua crença de que seu próximo projeto pode resolver a guerra no Oriente Médio, um show patético que, como alguém que atua diretamente na área, reconheço facilmente como crível, certeiro.
As referências literárias e cinematográficas que Allen utiliza, como sempre, jamais subestimam a inteligência do espectador, há gracejos de apelo universal, mas o cinéfilo dedicado se diverte especialmente ao ver citações ao mistério de “Cidadão Kane”, ou quando ele insere o estilo imagético de Fellini em um flashback onírico durante um passeio no parque, um tesouro que todo fã aguarda com ansiedade.
O roteiro encontra espaço para homenagear outros medalhões, como Godard e Buñuel, não poderia faltar também o ídolo maior do diretor, Ingmar Bergman, mas a forma com que ele entrega estas pérolas é intensamente simpática, emocionante. Há até uma sutil autorreferência que os admiradores de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” vão apreciar bastante.
O texto dele segue afiado, a sua assinatura é firme, garantindo aquele constante sorriso no rosto, material de altíssimo nível que pode incomodar quem aprecia o humor imediatista moderno. É curioso que, ao ler críticas de colegas, daqui e de fora, normalmente utilizam o clichê “mais do mesmo” em tom depreciativo para as obras do diretor, mas eles não demonstram incômodo algum com um gênero que nas últimas décadas peca por ser “mais do nada”.
Allen ama o que faz, expressar-se criativamente é claramente a força motriz de sua vida, aos 86 anos de idade, ele segue tendo muito a dizer, fascinando principalmente pela maneira lúcida e bem-humorada como enxerga todos os aspectos da experiência humana.
Uma carta de amor de Woody Allen ao cinema, não apenas como cinéfilo apaixonado, mas também como cineasta, plenamente consciente de sua inestimável contribuição à arte. Nós esperamos que ele ainda produza muito, mas, caso esta seja sua despedida, não poderia ser mais elegante, honesta e corajosa.
Aproveite bastante, garotada, artistas deste nível simplesmente não existem mais…
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