No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não é entregar uma longa análise crítica, algo que toma bastante tempo, mas sim, uma espécie de drops cultural, estimulando o seu garimpo (lembrando que só serão abordados filmes que você encontra com facilidade em DVD, streaming ou na internet). O formato permite que mais material seja produzido, já que os textos são curtos e despretensiosos.
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A História de Marie e Julien (Histoire de Marie et Julien – 2003)
Julien (Jerzy Radziwilowicz) é um relojoeiro frustrado de 40 anos, que está chantageando Madame X (Anne Brochet): ele sabe de coisas misteriosas que a envolvem no tráfico de objetos antigos, mas desconhece a ligação entre ela e a sublime Marie (Emmanuelle Béart), por quem Julien havia se apaixonado perdidamente cerca de um ano antes.
Eu sinceramente não entendo a fama do diretor até mesmo entre cinéfilos dedicados, leio sempre que seus filmes são insuportavelmente entediantes. Entenda, quem conhece meu trabalho como crítico desde 2008, sabe que eu sou o primeiro a apontar cineastas “intocáveis”, mimados pela imprensa, que produzem eficientes soníferos, projetos pretensiosos e umbilicais, mas considero injusto este rótulo no caso de Jacques Rivette.
Entediante para alguém psicologicamente maduro é assistir quase 3 horas de adultos infantilizados e fantasiados contando piadinhas e soltando raios pelas mãos, o material humano em obras como “A Bela Intrigante” (1991), “Um Passeio por Paris” (1981), “Paris nos Pertence” (1961) e “A História de Marie e Julien”, o seu último grande trabalho, é outro nível, os seus filmes são longos, sim, mas imersivos, sobrevivem em sua mente por dias após os créditos finais. As tramas são menos importantes que as reflexões que elas suscitam, e, quase sempre, ganham muitos pontos em revisão.
Analisando a sinopse, pode parecer que o filme não é grande coisa, mas a experiência vai se revelando gradativamente mais enigmática, o leitmotiv simbolizado pelos relógios, o tempo inexorável e a mortalidade, insere elementos góticos, fantasmagóricos, com a linda fotografia de William Lubtchansky realçando os contornos sobrenaturais, uma pegada que remete diretamente ao “Um Corpo Que Cai”, de Hitchcock, com toques de “Os Outros”, de Amenábar. Não é por acaso que o nome do gato de Julien evoque diretamente o poema “O Corvo”, de Edgar Allan Poe.
Uma pérola intelectualmente recompensadora (algo raríssimo hoje em dia) que merece constar em todas as listas de melhores filmes do saudoso diretor.
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