Críticas

“A Família Bélier”, de Eric Lartigau, no TELECINE

A Família Bélier (La Famille Bélier – 2014)

Paula (Louane Emera) é uma adolescente que enfrenta todas as questões comuns de sua idade: o primeiro amor, os problemas na escola, as brigas com os pais (Karin Viard e François Damiens). Mas sua família tem algo diferente: seus pais e seu irmão (Luca Gelberg) são surdos e é ela quem administra a fazenda e traduz a língua de sinais nas conversas com os vizinhos. Um dia, porém, ela descobre ter o talento para o canto e que pode integrar uma escola prestigiosa em Paris. Agora, Paula precisa fazer uma escolha que a distanciará da família e a forçará a crescer.

O Oscar 2022, mais do que nunca, passou a impressão de calculada autossabotagem, não apenas pela teatralidade grotesca e de baixíssimo nível que dominou as manchetes na manhã seguinte, mas também pelos critérios na escolha do outrora respeitado prêmio de “Melhor Filme”. Uma refilmagem sem brilho, sem personalidade, apenas simpática, de uma pérola do cinema francês que, dado bizarro, não foi sequer indicada no evento como “Filme Estrangeiro” no ano de sua estreia.

Todos os bons momentos são cópias frame a frame do original, vale ressaltar, imitação que não consegue despertar a mesma emoção. Os elementos adicionais são fracos, desnecessários, as mudanças (como na cena final) são desastrosas, fora a química inexistente do elenco, elemento marcante na obra francesa.

A jovem protagonista, vivida por Louane Emera, por exemplo, conquista o carinho do público já nas primeiras cenas, transmitindo doçura no olhar, enquanto que a sua cópia norte-americana, Emilia Jones, não consegue passar credibilidade alguma, prejudicada ainda naquele que, em teoria, seria seu momento de glória, a apresentação final no palco, momento lindo no original, reduzido na refilmagem à uma montagem clichê, pasteurizada, incapaz de abraçar com segurança a emoção que a situação proporciona.

O argumento mais utilizado entre aqueles que defendem a refilmagem norte-americana é que no original francês, com exceção do filho mais novo da família, não havia ninguém que fosse surdo na vida real. No mundo atual dominado pelo asqueroso “politicamente correto” e pelo cabresto politiqueiro das pautas identitárias, o sistema está acostumando o coletivo a desprezar algo muito importante, belíssimo, chamado: ATUAÇÃO.

Os adultos lúcidos, inteligentes, com razoável estofo cultural, ao final de “A Família Bélier”, aplaudem o trabalho primoroso do elenco. Se os pais não eram vividos por pessoas surdas, o mérito deles é ainda maior, eles são tão competentes que, em nenhum minuto durante a sessão, cogitamos a possibilidade de não serem surdos.

A beleza da atuação está exatamente em viver experiências que não são naturais na rotina do ator. Hoje, o grande Al Pacino seria apedrejado por interpretar um homem cego em “Perfume de Mulher”, aliás, um bom exemplo de refilmagem com personalidade, que se justifica artisticamente em vários aspectos. Se você não enxerga problema algum neste direcionamento absurdo, galho da árvore podre da “cultura do cancelamento”, antítese de tudo que as artes cênicas representam, talvez precise estudar mais o tema.

“A Família Bélier” não é um esforço pretensioso, não se envergonha de colocar o coração na frente de qualquer intenção artificial, não se disfarça com um verniz de seriedade para ser avalizado pelos acadêmicos sisudos e, quase sempre, vazios, Lartigau entregou uma comédia franca, uma ótima história, sem gordura extra, honesta, charmosa e de apelo universal.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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