O Vingador do Futuro (Total Recall – 1990)
No ano de 2084, o operário Doug Quaid (Arnold Schwarzenegger) recorre a um implante de memória para poder simular uma viagem a Marte. Mas algo sai errado e ele começa a se lembrar de quem realmente era e de fatos que, até então, desconhecia. Agora, Quaid quer vingança contra aqueles que o enganaram.
O meu primeiro contato com o filme foi na infância, após ler muito sobre a produção nas revistas SET, Cinemin e Vídeo News, não pude prestigiar na sala de cinema, mas estava na fila com meu pai para alugar o VHS na semana em que chegou na RG Vídeo, do amigo Ricardo.
Várias matérias divulgavam o projeto na televisão, mas todas enfatizavam o aspecto que considero menos interessante nele: os efeitos especiais. Não me entenda mal, assim como todos, eu fiquei embasbacado com aquelas inovações em CGI, a maquiagem fantástica do Rob Bottin, a beleza escultural da Sharon Stone, mas, ao terminar a sessão, como leitor de ficção científica, o que me encantava era o conceito de que aquilo tudo era um sonho.
É curioso que, na época, poucos enxergaram o ponto mais engenhoso da história, quando eu discutia sobre a obra nas locadoras de vídeo, a minha voz era a única que levantava a ideia de que a sinopse era conscientemente enganosa, o personagem de Schwarzenegger não era um agente secreto, ele pagou pela ilusão e recebeu a aventura espetacular que a empresa Rekall oferecia.
No momento em que sua esposa (Sharon Stone) e o doutor Edgemar (Roy Brocksmith) invadem a sessão e tentam induzir o protagonista ao despertar, ele, confuso, e, principalmente, fascinado com a possibilidade real de ser alguém especial, decide seguir no jogo, em suma, ele, profundamente humano, prefere viver o show pirotécnico e farsesco. A massa quer realmente a verdade?
O roteiro suscita uma importante reflexão, cada dia mais atual. Basta analisar no mundo real de 2022 como o coletivo gosta de ser enganado, e, mais que isto, como ele abre mão dos fatos espinhosos pela ilusão de conforto que a mentira proporciona. A ameaça nunca existiu, o que foi vendido como panaceia se mostrou um veneno, mas a ilógica e danosa sinalização pública de virtude se mantém, muitos simplesmente não querem acordar, exatamente como Doug Quaid, não querem perder a crença, alimentada pela imprensa, de que são importantes, heroicos, valiosos.
Alguns elementos no roteiro de Ronald Shusett e Dan O’Bannon, inspirado livremente no conto de Philip K. Dick, facilitam a compreensão plena da trama, como a utilização do simpático ajudante (o taxista Benny, vivido por Mel Johnson) que, no momento de perigo, acaba se revelando um traidor, recurso narrativo recorrente em filmes de espionagem, logo, situação previsível em um sistema que emula uma experiência intensamente imersiva no universo teatralizado de um agente secreto na cultura popular.
O desfecho evidencia ainda mais que se trata de algo onírico, com o beijo emoldurado pelos mais simplistas clichês cinematográficos, como o posicionamento perfeito da luz no enquadramento, a realização dos desejos escapistas reprimidos do homem comum, conduzindo o espectador bruscamente aos créditos finais. O público, como Quaid, pode enfim retornar à realidade sem brilho do cotidiano.
Trilha sonora composta por Jerry Goldsmith:
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