Críticas

Crítica de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, de Dan Kwan e Daniel Scheinert

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once – 2022)

Uma ruptura interdimensional bagunça a realidade e uma inesperada heroína (Michelle Yeoh) precisa usar seus novos poderes para lutar contra os perigos bizarros do multiverso.

Os fãs dedicados do universo dos heróis de revistas em quadrinhos sabem o simbolismo do clássico evento “Crise nas Infinitas Terras”, em suma, quando a DC não conseguia mais controlar os rumos narrativos dos vários personagens, inseridos em tramas confusas e que se contradiziam, envolvendo versões em linhas temporais diferentes, ela bolou uma situação épica que servia para impulsionar as vendas e, principalmente, resolver o problema reiniciando a sua linha editorial, reduzindo drasticamente o número de seres fantásticos e recomeçando do zero as histórias daqueles que sobreviveram. O processo sempre se repete com o mesmo objetivo.

É curioso que a indústria do entretenimento, de alguns anos para cá, esteja forçando tanto este conceito do multiverso, algo que, do ponto de vista lógico, serve apenas como infantilizado fan service, uma grande bobagem. Na prática, esta mistura sempre sinaliza o esgotamento do material original e, mais que isto, o interesse consciente dos criadores de apagar o passado e controlar melhor o futuro. Aqueles que se mantiveram lúcidos nos últimos dois anos talvez enxerguem este fenômeno além da superfície, já que parece refletir cristalinamente os esforços do sistema em todos os setores no macrocosmo. Nos tempos orwellianos do porvir, após a crise, um novo manual de regras…

A atriz malaia Michelle Yeoh, que conquistou fama mundial como artista marcial nas décadas de 80 e 90, com pérolas como “Yes, Madam”, “Police Story 3: Supercop” e “Batalha de Honra”, entrega a melhor atuação de sua vida, um papel que é, inegavelmente, um desafiador presente, tarefa que ela cumpre com inteligência, carisma, charme e segurança total.

Evelyn (Yeoh) é apresentada como alguém existencialmente exaurida, tendo que lidar com problemas em seu relacionamento com o marido (Ke Huy Quan), com a filha (Stephanie Hsu) adolescente, com o pai (James Hong), com a auditora fiscal (Jamie Lee Curtis), com clientes de sua lavanderia, em suma, ela sente que perdeu a chance de ter feito algo diferente na vida.

A mensagem final é simples, previsível e bonita, mas o roteiro peca na execução pelo anestesiante excesso de ideias jogadas na tela, o segundo ato deste filme faz até o Terry Gilliam coçar a cabeça; ao optar por confundir sobremaneira o público com as infinitas possibilidades, não apenas na trama, como também na forma como ela é imageticamente trabalhada, abraçando calorosamente o conceito do multiverso em sua alegoria, a obra prejudica a imersão do espectador, potencializando a sua reação mecânica em detrimento do engajamento advindo da interpretação do que as cenas transmitem, por conseguinte, a proposta acaba soando superficial, o que inicialmente diverte pelo aspecto da novidade se torna cansativo, irritante, já que a estética grita muito mais alto que o conteúdo.

O hype alimentado pela imprensa mundial antes mesmo do lançamento, as chamadas defendendo que é o “filme mais surpreendente de todos os tempos”, simplesmente não são intelectualmente honestas, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” está longe de ser ruim, e, neste momento tão fraco para a indústria, entrará com justiça nas listas de Melhores do Ano, mas, analisando racionalmente, em revisão, sem o elemento da surpresa, ele traz a assinatura pretensiosamente tola já perceptível no projeto anterior dos roteiristas/diretores, “Um Cadáver Para Sobreviver” (2016), cujo mérito duvidoso é ser vencedor no quesito de mais criativa utilização da flatulência na história do cinema.

A carga filosófica na trama, verdadeiramente instigante, usual em produções tematicamente similares, como “Matrix”, infelizmente é enfraquecida pelo desequilíbrio tonal e por várias escolhas bobas que objetivam o fascínio imediatista pelo esquisito; quando pesam menos a mão no desfecho, focando na essência da história, o relacionamento entre mãe e filha, o promissor potencial que havia sido sinalizado nos primeiros vinte minutos é resgatado das profundezas do torpor desorientador, mas o impacto emocional poderia ser ainda maior.

Cotação:

  • A obra acaba de estrear nas salas de cinema, mas, caso a sua esteja exigindo, não avalize a grotesca segregação pelo “passaporte sanitário”, em muitas cidades já acabou esta palhaçada vergonhosa. Você já encontra gratuitamente o filme com extrema facilidade na internet. No jogo da vida, escolha sempre ser o judeu, nunca o nazista.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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