Críticas

“Crimes de Família”, de Sebastián Schindel, na NETFLIX

(texto originalmente escrito e postado no dia 20 de agosto de 2020)

Crimes de Família (Crímenes de Familia – 2020)

Depois de seu filho ser acusado de tentar eliminar a ex-esposa, Alícia (Cecilia Roth) embarca em uma jornada que vai mudar sua vida para sempre.

O diretor argentino Sebastián Schindel, do bom “O Patrão: Radiografia de um Crime” (2014) e do intensamente problemático “O Filho Protegido” (2019), entrega seu melhor trabalho até o momento, baseado em eventos reais, favorecido por um elenco especialmente inspirado, com destaque para a sempre competente Cecilia Roth.

A estrutura não-linear da trama pede a atenção dobrada do público, os momentos de tensão são todos nas cenas que ocorrem no tribunal, até há um mistério, mas é relativamente fácil prever os acontecimentos dos impecáveis 20 minutos finais, não é a proposta da obra ser desafiadora neste sentido, não é um suspense whodunnit, a preocupação do roteirista/diretor é retratar os estágios psicológicos da culpa e seus efeitos devastadores no microcosmo familiar. O fato de manter o espectador interessado todo tempo, apesar do ritmo lento, manipulando emocionalmente as expectativas a cada reviravolta, talvez seja o maior mérito do filme.

A elegante trilha sonora de Sebastián Escofet evidencia desde a primeira cena que o melodrama não é uma opção na vida real, um recurso teatralizado incapaz de extrair a verdade em tons de cinza que toda situação apresenta, a fotografia sóbria de Julián Apezteguia reforça o posicionamento seco, de fácil identificação humana. O ritual do julgamento é mostrado desprovido de verniz, o procedimento judicial é entediante, desgastante física e mentalmente para todos os envolvidos.

Alícia (Roth) vive uma rotina de fachada, mantém amizades vazias com pessoas tão alienadas quanto ela, mas é correta e generosa com sua empregada doméstica, a silenciosa Gladys (Yanina Ávila), tendo estabelecido um relacionamento genuinamente carinhoso com o filho da jovem, um menino doce e sorridente. É como se a mulher enxergasse na criança uma segunda chance como mãe, já que, claramente, algo deu errado na criação de Daniel (Benjamín Amadeo).

O excesso de fotos dele na casa (vale destacar o toque inteligente de, logo no início, inserir no enquadramento uma imagem religiosa na frente de uma moldura, exatamente tampando o filho no retrato, como um pedido maternal inconsciente de proteção) parece ser uma frágil compensação (assim como o excesso no “reconhecimento emoldurado” na parede do advogado sem escrúpulos), a mãe vive em estado constante de angústia, já o pai, Ignacio (Miguel Ángel Solá), esconde no olhar triste a certeza de que não haverá redenção. Sem revelar muito, basta afirmar que afagar os pequenos erros é sempre o pior caminho, o aprendizado é duro, inclemente.

Um ótimo filme da recente safra argentina que se mantém na mente, instigando preciosas reflexões horas depois do final da sessão.

Cotação:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

Recent Posts

Crítica nostálgica da clássica série “Taxi” (1978-1983)

Taxi (1978-1983) O cotidiano dos funcionários da Sunshine Cab Company, uma cooperativa de táxi em…

2 horas ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

18 horas ago

“Um Estranho no Ninho”, de Milos Forman

Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cuckoo's Nest - 1975) Um pequeno criminoso…

4 dias ago

Crítica de “Tesouro”, de Julia von Heinz

Tesouro (Treasure - 2024) Ruth (Lena Dunham), jornalista americana, viaja para a Polônia com seu…

5 dias ago

FILMAÇOS que ACABAM de entrar na AMAZON PRIME

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

6 dias ago

ÓTIMOS filmes que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

2 semanas ago