Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula – 1992)
No século 15, a Igreja se recusa a enterrar em solo sagrado a grande paixão do líder dos Cárpatos que decide, então, renegar a instituição religiosa. Ele (Gary Oldman) passa a perambular através dos séculos até encontrar a suposta reencarnação de sua amada, Mina (Winona Ryder), noiva de Jonathan Harker (Keanu Reeves).
O meu primeiro contato com a obra foi na infância, alugada em VHS, após ler várias matérias sobre a produção nas revistas de cinema, lembro de ter considerado o primeiro ato frio e problemático, a experiência melhorava consideravelmente a partir do momento em que o personagem de Anthony Hopkins, Abraham Van Helsing, entrava na trama, uma entrega calorosa, espirituosa, com inesperado senso de humor, retirando o gosto amargo deixado pela presença apática de Keanu Reeves, talvez no momento mais fraco de sua carreira, visivelmente exaurido.
Ao rever para a preparação deste texto, percebi que o tempo foi generoso com o elegante e estilizado esforço do diretor Francis Ford Coppola, apesar do todo seguir imperfeito, com grave desequilíbrio de ritmo, os seus pontos fortes compensam com folga as suas fragilidades.
O conceito da reencarnação e a ligação direta entre o vampiro e o personagem histórico Vlad Dracula, inexistentes no livro original de Bram Stoker, provam que Coppola bebeu generosamente na fonte do ótimo e pouco lembrado, “Drácula – O Demônio das Trevas” (1974), protagonizado por Jack Palance, toques folhetinescos saídos da mente do roteirista Richard Matheson e que se encaixavam bem melhor no estilo despretensioso do diretor Dan Curtis, mas que são trabalhados com segurança pelo competente James V. Hart, que havia surpreendido no ano anterior, com “Hook – A Volta do Capitão Gancho”.
O diretor propôs um exercício na reunião de pré-produção, fez o elenco ler em voz alta o clássico de Stoker, atividade que tomou dois longos dias, objetivando a imersão artística no clima do material, um comprometimento digno de aplausos.
Vários truques foram utilizados na tentativa de transmitir ao público, quase que subliminarmente, o estranhamento necessário em algumas cenas, mérito da fotografia do grande Michael Ballhaus, como no momento em que Harker está se barbeando, Coppola sugeriu que as paredes do cenário fossem gradativamente movidas para dentro, estabelecendo uma sensação de claustrofobia que reflete o estado mental perturbado do personagem.
Há também opções técnicas menos sutis, não menos eficientes, como retroprojeção, perspectiva forçada, dupla exposição, fechamento de íris, além da ideia de que a presença do mal se manifesta nos ambientes alterando as leis da física, proporcionando bizarrices como sombras que se movem de forma independente (vale ressaltar, garantindo inteligente homenagem ao silencioso “Nosferatu”, de F.W. Murnau, lançado em 1922) e ratos correndo de cabeça para baixo no teto.
O polpudo orçamento se mostra em cada aspecto da produção, como no brilhante prólogo que mostra a guerra de Vlad contra o Império Otomano. A opção mais preguiçosa seria uma abordagem realista, violenta, mas Coppola potencializa o efeito transformando o confronto em belo teatro de sombras sob um céu encharcado de sangue.
Uma cena em particular explora ao máximo o lirismo, plena em simbologia, verdadeiramente linda em proposta e execução, o momento em que Vlad demonstra remorso ao desenhar para sua amada a mesma eternidade de dor que o escravizava, a atuação de Oldman enfatizando o conflito em sua alma, enquanto que, para seu nítido espanto, a jovem se exibe disposta ao sacrifício supremo, ardorosamente bebendo o sangue que escorre da ferida que ele provocou no próprio peito.
“Drácula de Bram Stoker” é um filme que merece ser redescoberto.
Trilha sonora composta por Wojciech Kilar:
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