A Baleia (The Whale – 2022)
Um professor (Brendan Fraser) de inglês recluso que vive com obesidade severa tenta se reconectar com sua distante filha (Sadie Sink) adolescente para uma última chance de redenção.
A situação atual no cinema mundial está tão complicada, que o vislumbre de uma obra pensada para adultos psicologicamente maduros já basta para injetar esperança.
O diretor Darren Aronofsky, na linguagem popular da garotada, “bugou” a máquina, os veículos de cultura caíram na armadilha, divididos entre celebrar a redenção artística de Brendan Fraser vivendo um personagem homossexual, e, rezando a cartilha da agenda woke, condenar a visão intensamente negativa sobre um dos pontos mais importantes em sua engenharia social: a irresponsável romantização da doença, no caso, a obesidade.
A trama é minimalista, engrandecida pela inteligente opção de espaço cênico reduzido, o melodrama é brutalmente sincero, logo, o resultado quebra a ilusão de positividade corporal que as agências de publicidade estão se esforçando tanto em vender. É engraçado constatar o desconforto nas matérias, as manchetes sensacionalistas denunciando “preconceito estrutural”, os malabarismos argumentativos em textos rasos e lotados de chavões, em suma, pobre civilização ocidental, confusa em todos os sentidos e fragilizada, está caindo como um patinho na arapuca…
“A Baleia” é baseado na peça homônima de Samuel D. Hunter, que assina o roteiro, o direcionamento narrativo acerta já na proposta, o protagonista é depressivo, o trabalho de câmera desafia o público a se sentir na pele dele, literalmente preso à sua existência, você quase sente a dor, a falta de ar, não há sutileza alguma na forma como as decisões criativas reforçam a manipulação emocional, uma jornada que é ao mesmo tempo fascinante e repulsiva.
O apreço de Aronofsky pelo desenvolvimento alegórico, uma das características mais fortes em sua carreira, está presente, mas, coerentemente, enfraquecido, já que desta feita o roteiro necessita ser fincado na realidade para que a entrega de Brendan Fraser seja eficiente, não resvale na caricatura. O elemento se faz presente na referência direta ao clássico “Moby Dick”, de Herman Melville, e, principalmente, no conflito que se estabelece entre o enigmático jovem (Ty Simpkins), que parece obstinado na missão divina de salvar a vida do estranho, e a cuidadora (Hong Chau), amargurada, resignada com o que acredita ser a condição terminal de seu amigo.
A fisicalidade da atuação de Fraser exerce papel fundamental, auxiliado pela maquiagem envolvendo a utilização de 130 kg de próteses, mas o seu talento se revela no olhar, que consegue em várias cenas transmitir solidão, tremenda vulnerabilidade, e, em questão de segundos, transformar a apatia em dignidade e coragem. O seu desempenho é simplesmente brilhante.
A importância da filha (Sadie Sink) adolescente na compreensão do todo é tremenda, mas, sem revelar muito, para não estragar a experiência, posso afirmar que ela é apresentada desde o início como uma representação fiel dos males que o sistema alimenta nos jovens de hoje, vitimista, cínica e desrespeitosa.
O pai se sente culpado e busca se reconectar com aquela que só oferece agressividade, uma tarefa que ele sabe que é improvável, mas, um toque bonito que ecoa em sua simbologia o papel da religião na trama, apesar de sua vida ser praticamente insuportável, ele enxerga genuína redenção na tentativa de resgatar a garota, leia-se, restaurá-la à pureza de sua infância.
O filme abre diversas possibilidades de interpretação em seu desfecho, algo que, por si só, merece ser aplaudido de pé.
Cotação:
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