Artigo

Reflexões de um apaixonado por fitas VHS

O papo da moda hoje é “desapegar”, adolescente, adulto, idoso, todo mundo manipulado pelo sistema repetindo o mesmo mantra, “estou me desfazendo de tudo”, as residências cada vez mais apáticas, padronizadas, sem vida, raro entrar em algum ambiente e encontrar um mísero livro na estante, uma capa de LP com a dedicatória de alguma pessoa querida que já se foi, e a massa justifica: “ah, está tudo na nuvem”, enquanto os titereiros do caos global, as famílias mais ricas do mundo, aquelas que só pensam em acumular, agradecem a aceitação popular tão rápida da agenda 2030, o manual perfeito para o totalitarismo, “você não terá nada e será feliz”, claro, algo que faz todo sentido quando analisado pela ótica de psicopatas.

Ao pensar nisto, lembro do filme “O Livro de Eli” (2010), curioso que considerei a trama tão surreal na época, nem faz tanto tempo assim. E lá vou eu remando contra a corrente, escrevendo mais um texto nostálgico sobre as lembranças ternas da época de ouro das fitas VHS. LEIA AQUI O TEXTO ANTERIOR.

Preservar é amar, mais do que qualquer coisa, a sua própria experiência de vida, valorizar os passos dados na direção do indivíduo que você se tornou.

Na vida, não seja uma constante e insuportável conversa de elevador, “vai chover hoje?”, “menina, estou com uma baita dor nas juntas”, não, busque ser complexo, interessante, relevante. Não aquela complexidade arrogante, vazia, insegura, posada e registrada com filtros no Instagram, em suma, utilizando uma analogia cinematográfica, mire no equilíbrio entre a pretensão galáctica dos cineastas brasileiros do Cinema Novo e a paixão intensa e irresponsável do Sady Baby, trocando em miúdos, não jogue no lixo os rastros de sua existência.

Dia destes, eu estava caminhando com minha esposa, voltando de um dos sebos que mais frequento, do amigo Jô, na Praça Sáenz Peña, quando ela, visivelmente assustada, puxa a manga da minha camiseta e me aponta um saco preto de lixo na calçada. No Rio de Janeiro, pode ser tudo, até mesmo um corpo, logo, pensei duas vezes antes de me aproximar, mas ela jurava que havia visto de relance umas fitas VHS.

Seria possível? Ativei meu modo discrição total, agente secreto, dei alguns passos, como quem não quer nada, olhei em volta para checar se não pertencia a algum despreocupado viajante do tempo, mas ninguém demonstrava o menor sinal de curiosidade.

Sim, alguém havia jogado fora 17 fitas VHS em estado impecável, não eram aquelas de coleções de jornais, gravadas em velocidade EP ou LP, mas sim, tesouros inestimáveis. E lá fui eu para casa, feliz como se tivesse ganhado na Mega-Sena, com o pesado saco preto nas costas.

Tempos depois, numa manhã que parecia ser entediantemente comum, enquanto começava a me preparar para trabalhar nos textos de cinema, o interfone toca, o amigo Marquinho, que até faz uma participação especial em meu curta recente, “Verdade?” (2022), avisa que recebeu um lote de fitas VHS de um condomínio próximo, pergunta se eu não gostaria de dar uma olhada no material.

Ele é muito querido por todos da região, faz um dinheirinho garimpando livros, móveis, todo tipo de badulaque, já consegui muita coisa maravilhosa para a minha biblioteca pessoal graças a ele. Mas fitas? Eu sinceramente achei que seria um carrinho de supermercado cheio de gravações caseiras, emboloradas, material que não me interessa, então controlei a ansiedade e fui até ele.

No carrinho, em destaque no topo, algo que verdadeiramente nunca imaginei que conseguiria encontrar, uma peça disputada a tapa por colecionadores que você até acha, mas sempre em péssimo estado e sendo oferecida por valores obscenos. E lá estava ela, INTACTA, brilhando, como num sonho, a tão desejada fita no estojo fóssil de “Jurassic Park” (1993), que fazia brilhar os olhos de todas as crianças nas locadoras de vídeo de outrora.

Eu não consegui esconder o nervosismo, não precisava ter mais nada naquele carrinho, só aquela preciosidade já era suficiente. Como explicar a intensa alegria diante de um objeto aparentemente tão simples, tido pela maioria como algo descartável, obsoleto, sem valor algum?

O adolescente que hoje debocha quando vê algo antigo, afirmando em tom jocoso que aquilo “não é do seu tempo”, não percebe, mas está sendo adestrado para um futuro de escravidão mental, obediência cega, negação e até criminalização do raciocínio lógico, uma vida curta e desprovida de propósito, o seu desinteresse alimentado pelo sistema será a sua própria destruição.

Eu prego no deserto, mas sei que não estou sozinho, exercite o desapego apenas das lembranças ruins, extraia delas o aprendizado e jogue no lixo as carcaças, mas, por tudo que é sagrado, não faça o jogo daqueles que pretendem quebrar o seu espírito, preserve, valorize…

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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