A rápida degradação moral, ética e cultural do mundo ocidental é uma realidade inegável, um processo muito bem engendrado, obviamente financiado, que se intensificou nos últimos três anos, como parte intrínseca do plano de adestramento da massa na direção de rejeitar totalmente a lucidez.
A intenção é clara, os titereiros do caos são facilmente identificáveis, mas a eficácia do esquema de reinicialização do sistema não pode ser atribuída apenas aos idealizadores, uma semente atirada em solo inadequado não germina, e todos aqueles que, como eu, tentaram proteger outrem neste período, aprenderam na prática que, com louváveis exceções, o terreno estava favorável para o plantio, o material humano já estava apodrecido, desvirtuado, vazio. Não acredita?
Eu visito sebos com frequência, de duas a três vezes por semana, quanto mais empoeirado, bagunçado, melhor! Dedicatórias de amor nas páginas, fotos esquecidas, flores guardadas, em suma, vestígios dos antigos donos, detalhes que enriquecem ainda mais a experiência.
Ninguém me ensinou este hábito, entrei uma vez na infância e fiquei encantado com a quantidade de livros, e, vale ressaltar, já nesta tenra idade, eu era o magricela esquisito de óculos que, em todos os eventos sociais nas casas de parentes e amigos da família, ficava no sofá lendo algum título retirado da estante do anfitrião, enquanto os adultos conversavam e a garotada corria pelos ambientes.
O longo tempo que passo nestes templos da cultura proporciona que eu testemunhe as mais diversificadas situações, uma pessoa atenta pode traçar um panorama comportamental valioso apenas observando as atitudes dos visitantes.
A maioria entra manipulada pelo sistema procurando as bobagens “mais vendidas” do momento, você consegue enxergar claramente no rosto destas pessoas que elas buscam apenas a sinalização pública de algo que desprezam solenemente, aquele livro será esquecido em alguma estante ou, pior, servirá como suporte de copo ou peso de papel.
O que importa para estas pobres criaturas é a foto posada e com filtros no Instagram, e, claro, para cumprir este objetivo, o livro em questão precisa ser aquele que o sistema está divulgando como o “melhor”, quase sempre algum título patético de autoajuda psicológica ou financeira. No dia seguinte, com a missão de mostrar que é intelectual cumprida, a pessoa retorna tranquilamente ao padrão de selfies na academia de ginástica.
Há um número considerável de visitantes, vale salientar, estes eu abomino, que entram torcendo o nariz, fazendo questão de avisar à atendente, em alto e bom som, que estão procurando um livro “x” para presentear alguém, mas que a obra precisa estar lacrada. A atendente explica pacientemente que é mais fácil encontrar livros usados em um sebo, daí a confusão começa.
Trocando em miúdos, a pessoa é péssima em vários níveis, ela deseja gastar pouco ou quase nada, mas não quer, aos seus olhos, “prejudicar” sua “imagem” na sociedade. É quando ela, egocêntrica, visivelmente envergonhada, tenta resolver a questão enxergando a atendente e os clientes no local como plateia, levantando o tom da voz, gesticulando, soltando pérolas de extrema deselegância como: “ah, eu não posso dar um livro velho, né?” Normalmente a situação termina com a pessoa insatisfeita abandonando o palco reclamando e, segundos depois, virando justo motivo de chacota entre os funcionários e clientes.
O terceiro tipo é tão desprezível quanto, mas normalmente atravessa o local como um furacão, barulhento, mas rápido. A pessoa, quase sempre acompanhada, avança pelos corredores debochando dos títulos, aquela visita é claramente um passatempo pueril na rotina dela, a porta estava aberta, ela entrou, carregando gloriosamente para dentro do ambiente a sua insuportável personalidade.
Os funcionários costumam tremer na base nestes casos, porque estes são aqueles que costumam, por pura ausência de bom senso, pegar livros na estante A e abandonar os mesmos na estante Z, sem qualquer remorso, depois de folheá-los despretensiosamente entre uma piadinha e outra. Ao final do passeio, lá vai a pobre funcionária gastar preciosos minutos rearranjando os livros em seus setores corretos.
Outro tipo infelizmente muito comum no Brasil é aquele que, ao avistar no horizonte a porta aberta de um simples sebo, faz questão de atravessar a rua e correr na direção contrária. Eu não reclamo destes, não me atrapalham em meus garimpos culturais, os únicos prejudicados são eles mesmos.
O que me entristece é quando eles são acompanhados de filhos menores que demonstram interesse por aquele universo mágico. Os olhinhos da criança brilham na direção das capas expostas na vitrine, mas o adulto com a mão firme que a conduz apressa o passo, ignora os lamentos, enxerga livros como perda de tempo, algo irrelevante, provavelmente são os mesmos que dedicam horas na fila dos ingressos para os estádios de futebol.
Na vida, seja o visitante interessado e bem-educado que suja os dedos com a poeira dos livros, reme contra a maré, ensine pelo bom exemplo, faça o que é certo, ainda que esteja sozinho na multidão, leia com paixão. O mundo está dando passos largos na direção do abismo, a maioria só vai compreender a gravidade do problema quando já estiver com a areia movediça cobrindo o nariz, mas você não precisa fazer parte deste movimento.
Ao final de tudo, mesmo que no pior dos cenários, você estará de cabeça erguida, consciente de que fez o seu melhor e, principalmente, que manteve sua sanidade, a sua lucidez, a fagulha divina, na era em que o sistema, com as mais monstruosas intenções, fez de tudo para premiar a loucura.
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