No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não é entregar uma longa análise crítica, algo que toma bastante tempo, mas sim, uma espécie de drops cultural, estimulando o seu garimpo (lembrando que só serão abordados filmes que você encontra com facilidade em DVD, streaming ou na internet). O formato permite que mais material seja produzido, já que os textos são curtos e despretensiosos.
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A Divina Comédia (1991)
A história se passa em um manicômio em que os pacientes se veem como figuras bíblicas, tais como: Adão (Carlos Gomes), Eva (Leonor Silveira), Jesus (Paulo Matos), Lázaro (Miguel Yeco), Marta (Maria João Pires) e Maria (Júlia Buisel); outros, julgam-se personagens de romance, como Sônia (Maria de Medeiros) de “Crime e Castigo”, Ivan (Diogo Dória) e Aliocha (José Wallenstein) de “Os Irmãos Karamazov”, obras de Dostoiévski; um outro, ainda, que se crê personificar o Profeta (Luís Miguel Cintra) da Salvação do Mundo.
Aqueles que acompanham meu trabalho sabem que desde os meus primeiros textos como profissional da crítica, em 2008, defendo que não existe “filme de arte”, conceito equivocado, a indústria foi criada como ferramenta de entretenimento, os truques de mágica de Méliès atraíam o público que se admirava naquele período com o simples registro em movimento da saída dos operários de uma fábrica.
Avançando no tempo para uma indústria mais sólida, o sucesso das produções dos Trapalhões financiavam os soníferos cinemanovistas, o lucro dos musicais de Elvis Presley bancaram vários medalhões hollywoodianos respeitados pelos cinéfilos mais dedicados, em suma, os realizadores pedantes e sua plateia cativa de indivíduos intelectualmente inseguros dependem diretamente do elemento que alimentava a paixão pelo cinema desde os primórdios nos nickelodeons, com seus ingressos a cinco centavos de dólar.
O próprio diretor português Manoel de Oliveira salientou em entrevistas ao longo da vida a importância do cinema popular, apesar dele, enquanto cineasta, ter entregado alguns dos filmes mais entediantes e umbilicais de todos os tempos. E, entenda bem, não estou desmerecendo sua obra, somente constatando a natureza excessivamente contemplativa de sua expressão artística.
Eu gosto sobremaneira de “Aniki Bóbó” (1942) e considero “Amor de Perdição” (1979), com suas quase cinco horas de duração, um verdadeiro tesouro. “A Divina Comédia” é outra pérola em sua filmografia, um argumento tão bom, filosoficamente provocador, que nem mesmo o seu estilo moroso conseguiu prejudicar a experiência.
Ele alcançou neste projeto o equilíbrio competente entre o popular e o erudito. Até mesmo aquele que desconhece todas as referências culturais do roteiro, que não reconhece nem mesmo a homenagem no título à Dante Alighieri, consegue imergir na trama. O apaixonado por literatura, como eu, se esbalda!
Há várias cenas memoráveis, mas destaco a mensagem que o profeta carrega. Ele está sempre com um livro nas mãos, nele, como o próprio assegura, está contida a verdade. O público é levado tempos depois a descobrir que todas as páginas estão em branco. Brilhante!
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