A maneira nada usual de criação artística de David Lynch impossibilita comparações. As suas obras exigem de nós tanto quanto ele exige de si mesmo, nada é exposto sem que haja uma razão de existir. Ao contemplarmos sua alma sombria, refletem-se as palavras de Nietzsche, quando o mesmo disse: “Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para dentro de você.”
Desde jovem, ele se interessava pelas pinturas expressionistas e isto se mostra claramente em sua obra cinematográfica. Fã do estilo de Fellini, Buñuel e Bergman, o jovem iniciou sua carreira com alguns curtas experimentais e em 1977 fez o seu primeiro longa-metragem, intitulado “Eraserhead”. A obra apresenta um diretor extremamente criativo, mas ainda desorientado, às vezes exagerando no clima e esquecendo a substância, o conteúdo. Mesmo relativamente imperfeito, o filme demonstrou a todos o enorme potencial do cineasta e o encaminhou para suas obras mais maduras.
A sua próxima escolha foi abordar a vida trágica de John Merrick em “O Homem Elefante” (1980). Baseado em livro escrito pelo médico do jovem, as decisões de Lynch sobre o estilo que seria adotado, transformaram uma história que nas mãos de qualquer diretor seria apenas um dramalhão choroso e piegas em um clássico atemporal, um estudo sobre de qual matéria são feitos os homens e o que distancia o ser humano das bestas selvagens.
A elegante opção pelo preto e branco ajudou a criar o clima de eterno pesadelo (assim como em “Eraserhead”), ajudado em muito pelas sequências fantasiosas que remetem aos primeiros curtas experimentais de Buñuel. Após um suspense muito bem estruturado, depois de sermos apresentados a um protagonista sempre nas sombras ou coberto por um capuz, quando Merrick aparece pela primeira vez em um quarto de hospital com uma incrível maquiagem e uma atuação perfeita de John Hurt, nós já estamos imersos naquele ambiente e sentimos exatamente o mesmo que a enfermeira ao abrir a porta e se deparar com ele. Existem momentos na vida de um cinéfilo que nunca esquecemos. Afirmo-lhes que este é um deles.
Lynch brinca com nossas sensações, pois de início sentimos muito medo, logo somos levados a sentir pena daquele pobre coitado, quando menos esperamos sentimos profunda admiração e carinho por ele e pena dos outros. O diretor nos mostra que as reais deformidades estão no caráter dos que abusavam da doença do rapaz. “O Homem Elefante” ainda possui no elenco: Anthony Hopkins, Anne Bancroft e John Gielgud. Mesmo sendo uma experiência difícil, considero um dos melhores filmes da década de 80.
Em 1986, ele cria o mundo surreal de “Veludo Azul”. Maravilhosa a sequência em que vemos uma linda casa vista em um plano geral e um bem cuidado jardim, só para que, segundos depois, com a ajuda da câmera que se aproxima mais e mais do chão, entrando por dentro do gramado, vejamos o mundo inóspito e selvagem que existe abaixo do nosso nariz e que não percebemos.
A classe e elegância que se mostrava presente em vários momentos de “O Homem Elefante” são substituídas aqui pela ausência total de moral, compondo um mundo artificial e feito de aparências. Acredito que esta seja a obra mais acessível do diretor, o que não quer dizer que seja menos elaborada. Vale como um fabuloso cartão de apresentação para os que ainda não conhecem seus filmes.
Pulando um pouco no tempo e parando em 2001, chega o projeto que considero o mais complexo e interessante da carreira de Lynch até o momento: “Cidade dos Sonhos”. Este é o tipo de filme que você assiste uma primeira vez e não entende nada, se vê completamente perdido e talvez chegue a dizer que odiou a experiência. Mas é neste momento que entra em cena a genialidade de Lynch, pois a história confusa não sai da sua cabeça, você começa a comentar sobre o filme com amigos e nasce o desejo de assistir novamente.
Ao debater sobre a obra, você começa a desvendar o quebra-cabeça e passa a entender vários pontos da narrativa que antes lhe pareciam simplesmente uma colcha de retalhos sem sentido. Para os mais preguiçosos existem sites na internet que elucidam tudo e servem quase como um manual de instruções para resolver os vários enigmas da história.
Lynch transforma os cinéfilos em pesquisadores e suas obras em pinturas expressionistas, a cada visualização descobre-se algo novo. Um diretor sem igual, que transforma o ato de se assistir a um filme em algo mais que pequenas doses de diversão entre uma pipoca e outra.
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