Ficção Americana (American Fiction – 2023)
Monk (Jeffrey Wright) é um escritor negro brilhante, mas seus livros não são populares já que ele se recusa a retratar negros de forma estereotipada em seu trabalho. Ele é pressionado por seu editor a criar uma obra comercial e escreve uma história carregada de preconceitos como piada. Só que o livro se torna um best-seller da noite para o dia. Com o dinheiro caindo em sua conta, mas com a consciência pesada, Monk é obrigado a encarnar um personagem do gueto para manter a farsa.
O roteirista/diretor Cord Jefferson assinou bons trabalhos na TV, mas a sua estreia no cinema surpreende pela atitude, ele abraça a oportunidade com sangue nos olhos, como se inconscientemente suspeitasse que a indústria não vai permitir que ele voe livremente na área após expor tantas verdades indesejadas, debochando diretamente de tópicos que sustentam a agenda que domina hoje o cinema norte-americano. Ele lutou muito para conseguir realizar o filme, e, ao final da sessão, você consegue entender a razão principal do processo ter sido tão dificultado.
A proposta da obra, com seu senso de humor refinado, vai de encontro ao ponto nevrálgico da questão racial enquanto instrumento da manipulação social financiada pelos titereiros do caos desde sempre.
“Quanto mais burro eu me comporto, mais rico eu fico.” (Monk)
Trocando em miúdos e utilizando o nosso cenário político atual, a opção consciente de reduzir o negro às expressões culturais mais rasteiras, como o batuque do tambor, o funk bestializado ou a pichação de muros, leia-se, impondo uma imagem humilhante de submissão e incapacidade intelectual, objetivando o controle disfarçado de sinalização de virtude, ao invés de exaltar, por exemplo, o papel fundamental dos negros no elegante Jazz norte-americano (uma referência óbvia no nome do protagonista) ou na poesia romântica do samba que nascia outrora nos morros brasileiros.
Expandindo a discussão, o problema é similar ao que ocorre com a imagem dos nordestinos que é trabalhada pelos veículos culturais brasileiros, o constante bater na tecla da miséria, com a mesma sórdida intenção. Utilizando uma analogia simples, o ato de desligar o bombeamento de água para manter a narrativa e a indústria da seca, enquanto discursa teatralmente como o salvador da pátria, vendendo a promessa da libertação que nunca será permitida.
Aos interesses que lucram sobremaneira com o racismo, que dependem do “dividir para conquistar”, não interessa de forma alguma que negros e brancos se enxerguem como iguais. Quando o mundo começa a trilhar este caminho, quando a lucidez passa a se exibir com mais segurança, eles dão um jeitinho de estimular o conflito. A união é força, um povo unido, psicologicamente maduro e intelectualmente firme é uma ameaça para os titereiros do caos.
Retornando ao filme após esta reflexão alimentada pelos temas que ele suscita, afirmo que o brilhantismo do roteiro, adaptado do livro “Erasure”, de Percival Everett, já é evidenciado na corajosa escolha da cena que abre a trama, antes mesmo dos créditos iniciais.
O professor, vivido por Jeffrey Wright, que é negro, tendo que aguentar uma desajeitada tentativa de lição de moral sobre racismo de uma aluna branca, de cabelo verde, um detalhe importante, a típica ativista adolescente padronizada que não limpa nem o próprio quarto, mas que posa publicamente como um ser superior.
Uma vítima da engenharia social, por conseguinte, alguém que vive na realidade alternativa alimentada pelo sistema, uma dissonância cognitiva ambulante, confusa em todos os aspectos de sua vida, em suma, na linguagem popular, símbolo da geração de ovelhas que está sendo investida de autoridade pelos lobos.
A espertíssima sacada da metalinguagem no desfecho é a cereja do bolo, “Ficção Americana” também é engrandecido pela escolha da imagem que fecha a trama, resumindo perfeitamente em seu simbolismo tudo o que inteligentemente defendeu, até superestimando a capacidade de compreensão do público, algo que deve ser aplaudido.
Cotação:
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