Vivemos numa época em que as comédias estão ficando cada vez mais fracas, o tipo de humor inteligente de Steve Martin vale a pena ser revisitado, mesmo que suas produções atuais não representem nem um pouco o quanto suas comédias eram maravilhosas na década de 80.
No Brasil, somente agora a chamada stand-up comedy começa a fazer sucesso e virar moda (mesmo já tendo sido feita por mestres do humor como Chico Anysio e Costinha desde a década de 50), mas nos Estados Unidos este tipo de humor sempre foi respeitado. Não é como aqui, em que hoje qualquer um conta piadas em pé e diz que é stand-up comedy.
Um dos melhores representantes deste gênero na década de 70 foi Steve Martin. Em seu primeiro emprego na Disneyland o jovem fazia de tudo. Desde truques de mágica e tocar banjo até criar animais com balões de ar, em uma experiência que lhe mostrou a importância de ser polivalente no showbusiness, levando-o a um lugar de destaque na série televisiva Saturday Night Live.
Na sua carreira no cinema destaco os projetos que eu considero os melhores exemplos de seu tipo de humor. Em “O Panaca” (The Jerk – 1979), ele interpreta um jovem caucasiano com problemas mentais, que fora adotado por uma família negra. Caso esta pérola fosse realizada hoje em dia, provavelmente esbanjaria humor chulo e piadas de mau gosto, mas com um diretor elegante como Carl Reiner no comando, tornou-se uma comédia sensível e com uma ingenuidade chocante, que contrasta com o humor negro, fazendo a mistura perfeita. Diretores como os irmãos Farrely até hoje tentam, mas ainda não conseguiram equilibrar com perfeição estes elementos.
Mantendo a parceria com o diretor, Martin protagoniza o genial “Cliente Morto não Paga” (Dead men don’t wear plaid – 1982), em que presta uma homenagem criativa ao gênero de filmes Noir, fazendo uso de clássicas cenas no gênero (como Barbara Stanwick em “Pacto de Sangue” de Billy Wilder) editadas junto a cenas de Martin em preto e branco, numa brincadeira ousada. Para os cinéfilos torna-se um prazer sem tamanho ver no mesmo filme astros como Burt Lancaster, Ray Milland, Cary Grant, Ingrid Bergman, Bette Davis e Ava Gardner “contracenando” com Steve Martin e Rachel Ward em uma trama detetivesca e muito engraçada.
Ainda junto ao diretor Carl Reiner, o filme “Um Espírito Baixou em Mim” (All of me – 1984) transforma Martin em uma vítima de uma sessão espírita que deu errado. Ao tentarem ressuscitar a alma de Lily Tomlin (em seu auge em Hollywood), o seu espírito errante vai de encontro ao personagem, dividindo-o em duas personalidades. A decisão acertada de fazer com que a divisão fosse bastante aparente, com um lado do corpo sendo dominado pelo espírito feminino, propiciou ao criativo ator um manancial de possibilidades que ele desfrutou, saboreando cada momento.
Capitaneado por outro talentoso diretor, John Hughes, ele protagonizou ao lado do saudoso John Candy o ótimo “Antes Só do que Mal Acompanhado” (Planes, trains and automobiles – 1987). As desventuras de um executivo sério, tentando viajar de volta para casa no feriado de final de ano e seu encontro com um vendedor bonachão (Candy) que lhe faz companhia durante o trajeto, dão margem a cenas maravilhosas e que nos estimulam tanto para o humor quanto para as lágrimas.
Estas são minhas dicas para os que não conhecem o trabalho de Steve Martin ou os que o enxergam apenas como o protagonista de obras desnecessárias, como a atual refilmagem de “A Pantera Cor de Rosa”, “A Casa Caiu” e filmes bobinhos de comédia familiar.
Martin é parte de uma equipe em extinção no cenário do humor mundial, um gênio que usa a inteligência para fazer rir, que utiliza o raciocínio para elaborar uma cena, mas que sabe apelar para o grotesco se for preciso, sem perder a elegância.
Eu espero que ele volte a protagonizar filmes tão bons quanto os que ele fez nos anos 80 e seja reconhecido como o gênio do humor que é!
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