Críticas

Crítica de “Uma Vida – A História de Nicholas Winton”, de James Hawes

Uma Vida – A História de Nicholas Winton (One Life – 2023)

O jovem Nicholas Winton (John Flynn/Anthony Hopkins) trabalhava como corretor da bolsa de valores britânica. Ele, durante seu período de férias, optou por realizar um serviço humanitário enquanto a Alemanha avançava pela Europa. Em um arriscado ato de compaixão, Nicholas ajudou a resgatar centenas de crianças judias das mãos dos nazistas. Apesar da bela demonstração de coragem, ele carregou para sempre o fantasma dos pequenos que não conseguiu ajudar.

Todas as vezes nas páginas da História em que a massa fecha os olhos para a preciosa verdade, alimentada pelo mecanismo de autodefesa da negação, ela abre as portas para o perverso totalitarismo, ela abraça as consequências terríveis de uma inevitável escalada de maldade. E, lá na frente, quando a ferramenta de destruição já esgotou seus recursos, a máquina de reparo cíclico inicia seu processo, sem sinal de remorso, coletando nos escombros os sobreviventes.

O britânico Jonathan Winton teve a rara sorte de receber no crepúsculo da vida o reconhecimento justo por sua nobilíssima atitude na juventude, um recorte muito bonito que o roteiro de Lucinda Coxon e Nick Drake trabalha com inteligente sobriedade e muita elegância.

O registro real do programa de TV da década de 80 viralizou na internet, logo, a produção não poderia utilizar aquele lindo momento como sustentáculo emocional, esta escolha seria fácil demais, qualquer tentativa neste sentido poderia resvalar no sentimentalismo exagerado, opção que, acima de tudo, reduziria o impacto natural do evento.

A obra, consciente deste obstáculo, utiliza então como leitmotiv um elemento psicológico mais complexo, a luta interna que o protagonista travou por toda sua vida adulta com a brusca interrupção de sua missão outrora, o nono trem com 250 crianças judias que foi interceptado pelos nazistas. Aos olhos dele, a operação foi um fracasso, a impossibilidade de se perdoar por não ter conseguido salvar mais vidas fez com que ele sofresse calado por décadas, nem mesmo sua esposa sabia de seu heroísmo.

As sequências em flashback evidenciam a influência da força da mãe, vivida por Helena Bonham Carter, em seu sacrifício; Flynn entrega com segurança o desafio de erigir de forma crível os alicerces da personalidade que Hopkins assume, realçando a pureza de espírito que protegeu sua psique durante as tribulações, exatamente o toque de caráter que a transmissão televisiva captou de forma cristalina. E, vale destacar, Hopkins complementa com brilhantismo este traço de personalidade na poderosa sequência em que Winton, amparado pela solidão, decide quebrar a represa de suas doloridas emoções.

O diretor James Hawes possui muita experiência em séries, ele sabe valorizar bem a redução do espaço cênico como veículo para facilitar a imersão do público, ele sabe que a história, por si só, já enternece, sem a necessidade de tentar reinventar a roda, por conseguinte, ele se foca no elenco.

O timing de lançamento não poderia ser mais perfeito, o mundo precisa urgentemente lembrar dos malefícios da supressão da verdade e da criminalização daqueles que, arriscando suas vidas e suas reputações, enfrentam tudo e todos para que ela seja revelada.

Cotação:

  • O filme estreia nesta semana nas salas de cinema brasileiras.

Trailer:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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