Dias Perfeitos (Perfect Days – 2023)
Hirayama (Koji Yakusho) leva uma vida feliz, conciliando seu trabalho como zelador dos banheiros públicos de Tóquio com sua paixão por música, literatura e fotografia. A sua rotina estruturada é lentamente interrompida por encontros inesperados que o forçam a se reconectar com seu passado.
O roteirista/diretor alemão Wim Wenders, que presenteou o mundo nas décadas de 70 e 80 com pérolas como “Asas do Desejo”, “Alice nas Cidades”, “No Decurso do Tempo”, “O Amigo Americano” e “Paris, Texas”, foi contatado por um executivo japonês para produzir um documentário em episódios objetivando divulgar os banheiros públicos que haviam sido criados para as Olimpíadas de 2020.
O projeto The Tokyo Toilet reuniu designers e arquitetos renomados, a modernização tecnológica visava modificar a imagem do serviço, por exemplo, quase tudo é feito por comando de voz, com música ambiente, um modelo altamente higienizado que também trocou os banheiros tradicionais de cócoras pelo modelo ocidental de vaso sanitário.
A ideia parece bizarra, né? Wenders, demonstrando uma inteligência emocional muito elevada, aceitou o inusitado convite e optou por criar um longa-metragem ficcional, filmado em apenas 17 dias, que propõe uma reflexão sobre a beleza das pequenas coisas, a grandeza do comum, buscando inspiração direta no estilo minimalista do saudoso mestre Yasujiro Ozu.
O Brasil poderia aprender esta lição. O cinema nas mãos de profissionais competentes, psicologicamente amadurecidos e que levam a sério a arte, pode operar estes milagres, aquilo que foi pensado originalmente como peça publicitária para banheiros públicos se tornou um bom filme, um exemplar de slice-of-life (leia-se, realismo mundano, como em “Jeanne Dielman”, da Chantal Akerman, ou “A Última Sessão de Cinema”, de Peter Bogdanovich) que defende em sua poética parábola uma bonita, ainda que ingênua, visão ascética da experiência humana.
Um elemento importante na equação de sucesso é a presença de Koji Yakusho, de pérolas como “Dança Comigo?” (1996) e “13 Assassinos” (2010), que vive o trabalhador simples, taciturno e disciplinado, que fotografa diariamente a sua árvore favorita no parque em que descansa e se alimenta na folga do serviço.
Ele é existencialmente analógico em um mundo cada vez mais digital, e, vale destacar, sem qualquer interesse em se adaptar. A forma como ele lida com a rotina faz com que o espectador questione a própria percepção deste mistério insolúvel que é a vida.
Há um problema estrutural na mensagem da obra, talvez a maioria nem perceba, uma agenda de engenharia social que fica evidente em várias cenas. O modelo ideal de existência que prega é o desapego, uma espécie de fantasia socialista, viver em espaços reduzidos, desprovidos de personalidade, em suma, escravos perfeitos, obedientes, afinal, como deixa implícito, não ter nada é condição sine qua non para ser verdadeiramente feliz.
Wenders obriga você a desacelerar para absorver o ritmo lento da narrativa, algo que pode se tornar um obstáculo quando levamos em consideração a longa duração da obra, você definitivamente sente o peso das duas horas. O talento de Yakusho facilita a travessia, mas creio que o aspecto emocional seria favorecido com uma edição mais objetiva.
“Dias Perfeitos” não soa plenamente genuíno, até sua delicadeza é muito artificial, apesar de se mostrar orgulhosamente consciente das melhores intenções. Como um case de desafio criativo, merece aplausos.
Cotação:
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