Críticas

O inesquecível “Doutor Jivago”, de David Lean

Doutor Jivago (Doctor Zhivago – 1965)

Dr. Yuri Jivago (Omar Sharif) é um médico e poeta que inicialmente apoia a revolução Russa, mas, aos poucos, se desilude com o socialismo e se divide entre dois amores: a esposa Tania (Geraldine Chaplin) e a bela plebeia Lara (Julie Christie).

Um elemento que se destaca já nos primeiros segundos desta refinada produção de Carlo Ponti é a belíssima trilha sonora composta por Maurice Jarre, não apenas o celebrado Tema de Lara, o saudoso mestre consegue te transportar imediatamente ao recorte histórico proposto. O seu esforço é fundamental neste caso para o desenvolvimento narrativo.

Ele levou apenas seis semanas em seu processo criativo, explorando generosamente balalaicas, violinos, metalofones e instrumentos de sopro, utilizando sua experiência como estudante da cultura russa no Conservatório de Música de Paris.

O roteirista Robert Bolt adaptou o livro original de Boris Pasternak com a cada vez mais rara inteligência emocional, optando pelo recurso do flashback ao focar no romance entre Lara e Yuri, injetando intimismo ao entregar ao personagem Yevgraf a importância de servir como narrador da jornada de seu meio-irmão Jivago, proporcionando ao grandioso elenco, composto por talentos como Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Alec Guinness, Rod Steiger, Tom Courtenay, Siobhan McKenna e Ralph Richardson, complexo material humano para rivalizar com o escopo épico da fotografia de Freddie Young.

A direção sempre elegante do brilhante perfeccionista David Lean, que havia encantado o mundo com tesouros como “Lawrence da Arábia”, “A Ponte do Rio Kwai”, “Grandes Esperanças” e “Desencanto”, consegue afinar até mesmo as sequências mais tensas no diapasão da delicadeza, com total segurança, sem pressa, consciente de que a essência da obra residia na fluida estrutura poética da assinatura do autor, logo, a trama pouco seria valorizada caso ele falhasse em estabelecer rapidamente a atmosfera necessária para a imersão do público.

O filme, assim como o livro, que foi proibido na Rússia socialista exatamente por expor sem filtros a monstruosidade do regime comunista, que sempre promete um paraíso utópico e acaba entregando gulags, foi alvo de apedrejamento por boa parte dos críticos da época, até hoje há uma corrente na imprensa que tenta deslegitimar o resultado com expressões como “entediante”, “vazio”, “interminável”, em suma, a estratégia previsível de tentar afastar a verdade libertadora das mãos e mentes do povo.

O mundo hoje, após os grotescos últimos quatro anos, precisa urgentemente redescobrir histórias como esta, para que os filhos do amanhã não sofram malignidades indizíveis encoleirados pela humilhante letargia do medo.

“Doutor Jivago” é grandioso em todos os sentidos, o tipo de produto que a indústria cinematográfica abandonou décadas atrás para suprir os anseios imediatistas de uma massa psicologicamente infantilizada, uma joia preciosa que representa as saudáveis potencialidades intelectuais de uma era de ouro infelizmente perdida no tempo.

A obra se mostrou em revisão para este texto ainda mais impactante, tematicamente relevante. Arte que te eleva sobremaneira, que te faz pensar. Você termina a sessão com os olhos marejados e é forçado a retornar para a realidade atual dominada pela insanidade, impossível não se entristecer ao constatar a dimensão do estrago financiado pelos titereiros do caos. Tudo se perdeu tão rápido…

  • O filme não está disponível atualmente em plataformas de streaming, mas você encontra ele em VHS, DVD, Blu-ray e, claro, garimpando na internet.

Overture:

Lara Says Goodbye to Yuri (Lara’s Theme):

Yuri and the Daffodils (Lara’s Theme):

Trailer:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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