Críticas

Crítica de “A Substância”, de Coralie Fargeat

A Substância (The Substance – 2024)

Elisabeth Sparkle (Demi Moore), renomada por um programa de aeróbica, enfrenta um golpe devastador quando seu chefe (Dennis Quaid) a demite. Em meio ao seu desespero, um laboratório lhe oferece uma substância que promete transformá-la em uma versão (Margaret Qualley) aprimorada.

Uma boa maneira de começar o texto é explicando ao público o que é o subgênero body horror, uma vertente trabalhada com brilhantismo por grandes diretores como David Cronenberg, Ken Russell, John Carpenter e David Lynch, mas que também foi abraçada por artistas menos lembrados hoje em dia, como Clive Barker e Frank Henenlotter.

Utilizando transformações grotescas do corpo humano, frequentemente em cenas intensamente perturbadoras, os roteiros exploram a angústia da inexorável finitude, a incapacidade de controlar a degradação do corpo, por vezes tendo o gore como projeção psicológica de uma mente distorcida.

O conceito é, em essência, uma glorificação dos excessos, pende usualmente para a caricatura cômica, alcançando um nível de bizarrice que busca ressignificar a beleza no elemento repulsivo. Não é preciso salientar que, exatamente por este motivo, não é um subgênero que agrada todos os fãs do terror, e, principalmente, costuma ser evitado por aqueles que já não apreciam este tipo de filme.

Eu, como já afirmei diversas vezes, tive o terror como gênero de formação, “O Enigma de Outro Mundo”, de Carpenter, e “A Mosca”, de Cronenberg, foram minha introdução ao body horror ainda na infância, logo, a minha percepção da obra não foi contaminada por qualquer preconceito.

É preciso reforçar que os últimos 30 minutos prejudicam bastante a experiência, incomodam por todos os motivos errados, banalizam o efeito de tudo que estava sendo construído, as escolhas estéticas e narrativas da roteirista/diretora francesa Coralie Fargeat no terceiro ato testam a paciência até mesmo do fã mais ardoroso.

O problema não é o mau gosto, ele é fundamental na proposta, mas sim, como ela desenvolve a sua ideia de forma autoindulgente. A tensão constante, as opções de câmera que desorientam o espectador desde o primeiro momento, causam um efeito que se perde na injustificada longa duração.

As boas críticas comportamentais que desperta no decorrer da trama são esquecidas quando você conduz agressivamente o público à exaustão sensorial. Ao martelar excessivamente a mensagem em seu desfecho, o filme a esvazia de qualquer impacto, o esforço como um todo se torna uma piada tosca, metaforicamente afastando os adultos do ambiente, uma escolha que parece ter sido pensada para satisfazer apenas a garotada imediatista e com fraquíssimo estofo cultural.

Há aspectos muito positivos, os primeiros 90 minutos são impecáveis, Dennis Quaid entrega seu melhor trabalho em décadas, mas é a atuação corajosa em todos os sentidos de Demi Moore que verdadeiramente eleva a qualidade da obra.

Na teoria, a mensagem principal de “A Substância” é que o único caminho mentalmente saudável é aceitar (e valorizar) as consequências naturais de uma vida longeva, buscar recursos que retardem o processo quase sempre leva ao vício, já que a frustração é inevitável. Na prática, ela se perde consideravelmente em sua execução.

O caso é que a diretora não esconde seu viés ideológico, por conseguinte, ela pesa a mão no ódio, no rancor, na autodepreciação, os homens são mostrados como figuras detestáveis, patéticas, reduzindo o potencial filosófico à papo feminista de botequim. E, analisando friamente, não consigo compreender um discurso de aceitação do envelhecimento que se empenha em representar esta fase da vida como algo tão monstruoso, mesmo levando em conta o gênero, creio que houve um conflito interno de interesses na construção do história.

A solução que a obra parece pregar vai de encontro ao doentio ideário atual do sistema, que normaliza para os jovens a romantização de uma vida com prazo de validade curto, leia-se, envelhecer não é bom, não é digno, muito menos tentar retardar o efeito da passagem dos anos. Esquisito, né?

O filme, enquanto experimento de body horror, cumpre bem sua função, recomendado especialmente para fãs do gênero.

Cotação:

  • O filme está sendo exibido nas salas de cinema brasileiras.

Trailer:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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