No “Dica do DTC”, a nova seção do “Devo Tudo ao Cinema”, a intenção não é entregar uma longa análise crítica, algo que toma bastante tempo, mas sim, uma espécie de drops cultural, estimulando o seu garimpo (lembrando que só serão abordados filmes que você encontra com facilidade em DVD, streaming ou na internet). O formato permite que mais material seja produzido, já que os textos são curtos e despretensiosos.
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A Morte e a Donzela (Death and the Maiden – 1994)
Em um país sul-americano, após a queda da ditadura, Paulina Escobar (Sigourney Weaver), a mulher de Gerardo Escobar (Stuart Wilson), um famoso advogado, fica sabendo no rádio que ele deverá chefiar as investigações das mortes ocorridas no regime militar. Quando o marido chega, ela o vê acompanhado de um estranho que o socorreu na estrada, mas ela identifica a voz como sendo de Roberto Miranda (Ben Kingsley), o homem que a torturou quando ela fazia militância política. Paulina decide então “julgá-lo” ali mesmo, apesar dos protestos do marido, que considera sua atitude precipitada, além do fato do acusado alegar inocência.
A competente adaptação da peça do chileno Ariel Dorfman pelo grande Roman Polanski se mostrou ainda melhor na revisão para este texto.
O espectador, desde o primeiro momento, compartilha a angústia do marido, a construção das cenas iniciais propositalmente desorienta o público, naquele microcosmo em tom alegórico que reflete o cenário conturbado da redemocratização do país, a única que jamais questiona sua atitude é Paulina, uma atuação poderosa de Sigourney Weaver, a tenacidade com que conduz a situação choca o público, a terrível verdade que ela utiliza como sustentáculo moral para sua vingança somente será confirmada no desfecho.
Há espaço para dúvida até o último instante, a mente humana luta inconscientemente contra a aceitação da monstruosidade, da capacidade do homem comum de “apenas seguir ordens” e cometer as maiores atrocidades, impondo humilhações indizíveis a outrem. E no intuito de enfatizar que a maldade, alimentada pela certeza da impunidade, pode corromper até a beleza, a obra utiliza o quarteto de cordas nº 14 em ré menor de Schubert, conhecido como “A Morte e a Donzela”, a trilha sonora que o torturador utilizava durante seus encontros com a vítima.
O que perturbava Paulina era a negação do confronto, o medo de que seu algoz seria esquecido, jamais detectado na sociedade. O aspecto mais inteligente da trama é que, de fato, nunca saberemos se a confissão do homem foi apenas o recurso que ele utilizou para ser libertado. A mulher encontrou satisfação na coragem demonstrada, ela, aos seus olhos, encarou o pior medo e não recuou. Um detalhe brilhante, a câmera no desfiladeiro, ao simular em primeira pessoa uma queda fatal, representa poeticamente a eliminação deste obstáculo existencial.
Um dos melhores filmes de Polanski, da época em que ainda havia demanda para filmes psicologicamente maduros e intelectualmente desafiadores.
Trilha sonora composta por Wojciech Kilar:
Trailer:
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