Críticas

“Vidas Sem Rumo”, de Francis Ford Coppola

Vidas Sem Rumo (The Outsiders – 1983)

Numa pequena cidade do Oklahoma, duas gangues de adolescentes estão em conflito. Uma dessas gangues tem membros muito novos, crianças, como Ponyboy Curtis (C. Thomas Howell) e Johnny Cade (Ralph Macchio), dois garotos de um grupo de órfãos que não têm orientação ou perspectiva. Uma noite, os dois entram numa briga que resulta em morte e precisam escapar da polícia, numa fuga cheia de problemas que os faz amadurecer e perceber o perigoso caminho que trilharam.

Eu começo o texto avisando que abordo o corte definitivo da obra, “The Outsiders – The Complete Novel”, que foi lançada anos atrás em Blu-ray no Brasil, em que o diretor Francis Ford Coppola adicionou cenas importantes que engrandecem a imersão emocional, entregando uma representação mais fiel do livro original da Susan E. Hinton.

C. Thomas Howell e Diane Lane.

A bonita melancolia que o filme transmite, tão bem captada na canção “Stay Gold”, de Stevie Wonder e Carmine Coppola, faz com que este recorte temporal específico ressoe íntimo e pessoal no coração de todo espectador, já que, por baixo do verniz estético da década de 60 (ainda bebendo na fonte do amanhecer do rock nos anos 50), a trama apresenta personagens com conflitos internos facilmente identificáveis em qualquer jovem desde sempre, em todas as culturas, do paupérrimo ao mais endinheirado.

No microcosmo da gangue, há profunda insegurança e uma valentia exagerada que mascara o terrível medo da solidão, há também doçura e carência de atenção, filhos de pais omissos vagando pelas ruas orientados apenas pela bússola imediatista do rancor, buscando significado existencial em frequentes disputas por território.

Ralph Macchio, Matt Dillon e C. Thomas Howell.

O adolescente que demonstra ter um espírito mais ladino, Ponyboy Curtis, vivido por C. Thomas Howell, ama filmes e livros, por conseguinte, consegue traduzir de forma poética a realidade em que está inserido, acompanhamos o roteiro através do seu ponto de vista.

Um momento forte em simbolismo, que causa uma reviravolta fundamental no segundo ato, o literal batismo de fogo de Johnny Cade, vivido por Ralph Macchio.

O menino, talvez o mais vulnerável da turma, sensível, escolheu calar na vida a angústia diária do convívio com pais agressivos e alcoólatras. Quando o destino o forçou a tomar uma atitude, ao ver o seu melhor amigo sendo agredido pela gangue rival, ele tirou uma vida, sem pensar na consequência psicológica destruidora do ato.

A impiedosa realidade forçou sua entrada na rotina, a dor se tornou tão insuportável que, apesar de ter fugido, ele precisava de algo mais contundente para expiar seu pecado. Uma igreja em chamas, com crianças presas lá dentro, o local que foi abandonado às pressas por todos os adultos que se consideravam modelos de retidão moral. O franzino rapaz, consciente dos riscos, enfrentou o inferno, salvou as crianças e tombou como um herói.

Rob Lowe, Patrick Swayze e Tom Cruise.

“Vidas Sem Rumo” merece ser redescoberto pela geração atual, tão desprovida de propósito vital. A obra que foi tão duramente apedrejada pela crítica da época precisa ser reavaliada, estudada, sem desvios ideologicamente desonestos.

O seu desfecho, mostrando o fortalecimento da amizade dos irmãos, o despertar da inspiração literária em Curtis motivado pelo sacrifício de Cade, causa um impacto duradouro, incita reflexões filosóficas poderosas, este é daqueles raros trabalhos que não terminam nos créditos finais, ele segue vivo em sua mente por dias, semanas, anos, sendo enriquecido pelo amadurecimento do público.

  • Você encontra o filme em Blu-ray, DVD, VHS e, claro, garimpando na internet.

Tema musical (na versão de abertura do filme) composto por Stevie Wonder e Carmine Coppola:

Tema musical (na versão do disco) composto por Stevie Wonder e Carmine Coppola:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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