Críticas

“O Colar Perdido da Pomba”, de Nacer Khemir

TEXTO ESCRITO E POSTADO ORIGINALMENTE EM 2013

O Colar Perdido da Pomba (Tawk al Hamama al Mafkoud – 1991)

Esta segunda produção na “Trilogia do Deserto” conta a história de um príncipe que estuda a arte da caligrafia árabe com a ajuda de seu mestre.

Após encontrar um fragmento de um manuscrito, ele procura incessantemente encontrar as peças faltantes, acreditando que, ao encontrá-las, terá revelados os segredos do amor. Tudo envolto em uma trama fantasiosa (com referência às “1001 Noites”) onde homens disputam jogos de xadrez à distância (comunicando-se através de mensagens trazidas por pombos correios) e um menino espera o retorno de seu pai (um Djinn: espírito também conhecido como Gênio), para que ele faça com que um pequeno macaco seja novamente transformado em príncipe.

No cinema, assim como na música, procuramos identificação com o que vemos e ouvimos. Seja uma pré-adolescente que acaba de ser traída por seu namorado e se tranca em seu quarto aos prantos, cantando a letra de uma canção depressiva (pois sente como se houvesse sido escrita pensando nela), um jovem que vê as lutas de boxe em “Rocky” e transfere-as para sua própria batalha do dia a dia (buscando inspiração para superar seus limites) ou um idoso que se emociona ao assistir a um clássico que o remete à sua infância, todos buscam na arte um reflexo de suas próprias vidas.

Filmes como os que integram a trilogia de Nacer Khemir mostram uma realidade muito distante daquela que vivemos no mundo ocidental.

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Exatamente neste abismo que nos separa é que reside seu fascínio maior: como se embarcássemos por uma hora e meia em uma viagem em que o inesperado fizesse-se presente em cada olhar e gesto dos personagens.

Gestos como o do pequeno Zin (Walid Arakji), em uma simples e bela cena (minha favorita na obra), em que se aproxima de um vaso com uma rosa e move rapidamente suas mãos como se tentasse conduzir seu aroma para mais próximo de seu rosto. Quando questionado sobre o que estava fazendo, ele responde: “a rosa está sonhando e eu estou roubando seu sonho”. Nestes poucos segundos, somos convidados a conhecer a forma de pensar desta cultura tão diferente e tão rica.

O diretor também aproveita para criticar sua sociedade em pelo menos dois momentos. Logo no início vemos um ancião propagando as palavras de um profeta: “as três coisas que mais estimo na Terra: perfume, a mulher e a oração. No perfume está o segredo da mulher, na mulher está o segredo do amor, no amor está contida a grande oração do universo”. Logo em seguida descobrimos que ele na realidade está tentando vender o tal perfume para aqueles que lhe cruzam o caminho.

A segunda crítica mostra-se mais para o final, quando o príncipe Hassan (Navin Chowdhry) reclama com um vendedor de livros ganancioso e avarento, que não o deixa desfrutar do conhecimento contido em seus livros. Ele então afirma: “você não poderá levar tudo consigo para o paraíso. Perceba à sua volta, como a finitude está sempre à espreita”. Khemir deixa clara a importância de compartilharmos o conhecimento, não o monopolizando em pessoas ou instituições (que utilizam este poder em prol de si mesmas).

Somos passageiros de um trem cuja viagem transcende qualquer fronteira conhecida, portanto, saibamos ceder o lugar àqueles que buscam hospitaleiro conforto, assim como inspiremos naqueles acomodados o desejo de aproveitar a viagem, descerrando a cortina que os impede de admirar a beleza da paisagem.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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