Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman – 2018)
Em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, quando precisava estar fisicamente presente enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de crimes orquestrados pelo grupo.
Spike Lee fez carreira salientando as diferenças entre brancos e negros, de certa forma ele lucra com o racismo, promovendo um tipo pretensioso de blaxploitation panfletário. A única vez em que permitiu ser desafiado a sair de sua zona de conforto temática, com a péssima refilmagem de “Oldboy”, ele provou que não consegue se libertar de seu estilo. Mas é inegável que ele sabe como cozinhar bem o seu básico arroz com feijão, considero “Crooklyn”, “Febre da Selva” e “Malcolm X” seus melhores trabalhos. “Infiltrado na Klan” entra agora para esta lista.
Há problemas na execução, como na longa sequência de discurso logo no início. A maneira estilizada encontrada para mostrar a reação das pessoas na plateia às palavras de ordem é contraproducente, artificial demais, prejudicando a imersão emocional em um ponto crucial da trama.
Outro ponto fraco é o desnecessário interesse romântico que não se justifica organicamente nas páginas do roteiro, serve apenas para quebrar o ritmo. E um problema recorrente em sua filmografia, a incapacidade de adotar a síntese na sala de edição, o apego exagerado ao próprio material, resultando em gordura extra quase sempre redundante, tornando a experiência desgastante ainda no segundo ato. Mas a trama recupera energia nos últimos trinta minutos.
Faço questão de ressaltar duas cenas simples e brilhantes. Quando Ron caminha pelo terreno em que, minutos antes, os brancos da Klan praticavam tiro ao alvo, parando aturdido diante da caricatura de um negro toda furada de balas, ou quando Duke (Topher Grace), presidente nacional da organização, explica ao telefone para Ron a diferença entre negros e brancos na forma de falar certas palavras, um exemplo de como Lee se sente à vontade no diapasão do humor, uma situação comum que é transformada na edição em algo hilário.
Já quando ele investe em sequências mais artisticamente pretensiosas, como quando evoca o filme de D.W. Griffith: “O Nascimento de Uma Nação” (1915), salientando como ele celebrava o racismo (contexto da época), ou no longo monólogo de Jerome Turner (Harry Belafonte), que resgata o julgamento do jovem negro Jesse Washington em 1916, motivado indiretamente pela mensagem do clássico mudo, o diretor demonstra insegurança, perde o frescor criativo e apela para soluções narrativas convencionais.
Se não bastasse a repetição da frase “tornar a América grande novamente” em várias sequências, uma nada sutil crítica ao governo Trump, Lee decide fechar a obra com registros de reportagens reais que evidenciam que a estupidez racista segue forte no mundo. É uma escolha sensorialmente explosiva que potencializa a revolta no público, apesar de, efetivamente, não ser intelectualmente honesta (obviamente não toca na ferida de que o conflito racial é usualmente financiado por globalistas com fins políticos) e nem ser suficiente para transformar “Infiltrado na Klan” na obra-prima que seu diretor firmemente acredita ter criado.
Este desequilíbrio tonal, entre a leveza irônica despretensiosa e o panfletarismo que se leva a sério demais, faz do filme uma colcha de retalhos fascinante com mais pontos positivos que negativos.
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