Custódia (Jusqu’à la Garde – 2017)
O casal Miriam (Léa Drucker) e Antoine Besson (Denis Ménochet) acaba de se divorciar. Para garantir a proteção de seu filho do próprio pai, que ela acusa de ser violento, Miriam pede a custódia exclusiva. O juiz, no entanto, acaba concedendo custódia compartilhada ao casal.
A estreia do roteirista/diretor em longas, “Custódia” é uma experiência sensorial intensa e que suscita uma importante reflexão ao final da sessão. O público é apresentado inicialmente à versão dos personagens, pai e mãe, que é defendida por suas respectivas advogadas de defesa. Os rostos transmitem força interna, resignação, mas é pura maquiagem social, os dois, instruídos previamente, travam uma batalha judicial pela guarda do filho mais novo.
A sequência é conscientemente filmada com frieza, arrastada, não há emoção, a máquina ritualística de relacionamentos está operando uma de suas etapas, a indústria se alimenta do fracasso do casal, assim como outrora lucrou com a fantasia de felicidade projetada pelos dois. O material humano é o que menos importa nesta equação. O menino, vivido com extrema sensibilidade pelo pequeno Thomas Gioria, o único que conhece os pais em estado bruto, é o símbolo da pureza, aquele que não pediu para ser inserido no inferno dos adultos.
Só quem viveu na infância a desgraça de um lar em que os pais viviam brigando sabe como este transtorno deixa cicatrizes emocionais e psicológicas profundas pelo resto da vida. A criança é submetida a um nível de stress diário altíssimo (perceba como ela sequer encara os pais, completamente desorientada), sendo utilizada como peão no tabuleiro de ódio, especialmente pelo pai, que é totalmente desequilibrado, uma bomba-relógio. A mulher esconde o novo namorado, evita ao máximo qualquer contato com o ex-marido, mas sabe que jamais será livre.
Ao aceitar um parceiro grosseirão, sem notar os vários sinais de sua latente psicopatia, ela forjou sua própria gaiola e acabou colocando em risco real os próprios filhos. A violência doméstica é o leitmotiv da trama (a cena que fecha o filme evidencia isto, focando na importância de não calar, não se omitir diante dos abusos de outrem), o roteiro insinua que já ocorria com certa frequência muito antes do divórcio, logo, não seria o bater do martelo de uma juíza que impediria o agressor de seguir seu modus operandi.
Utilizando nos apavorantes vinte minutos finais os códigos visuais do cinema de terror, Legrand consegue fazer com que o espectador também sinta medo, uma tensão insuportável, potencializando o elemento da identificação com o que se desenrola na tela.
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