Doutor Sono (Doctor Sleep – 2019)
Ainda extremamente marcado pelo trauma que sofreu quando criança no Hotel Overlook, Dan Torrance (Ewan McGregor) lutou para encontrar o mínimo de paz. Essa paz é destruída quando ele encontra uma adolescente (Kyliegh Curran) corajosa com um dom extrassensorial, conhecido como Brilho. Ao reconhecer instintivamente que Dan compartilha seu poder, ela o procura, desesperada para que ele a ajude contra a impiedosa Rose Cartola (Rebecca Ferguson) e seus seguidores do grupo Verdadeiro Nó, que se alimentam do Brilho de inocentes visando a imortalidade.
Todo apaixonado pelo clássico “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, lê a sinopse acima e já constata que “Doutor Sono”, apesar de ser uma sequência tardia, inspirada no livro homônimo lançado em 2013, não entrega, nem de longe, o mesmo nível de qualidade e elegância.
A aura classuda de mistério que mantinha a narrativa aberta à várias interpretações, elemento fascinante, foi implacavelmente descartada. O autor, Stephen King, que sempre abominou o filme pelas liberdades na adaptação de seu livro, provavelmente com o orgulho ferido porque a criatura é, em todos os sentidos, muito superior ao criador, abraça o novo projeto como produtor executivo e, como o próprio afirmou em entrevista recente, busca “reparar” o original. O resultado?
O roteirista/diretor Mike Flanagan se mostrou competente em “Jogo Perigoso”, também adaptado da obra de King, mas atua com mais segurança desta feita, tomando tempo na construção de suspense, com a estrutura de atos bem distintos facilitando a imersão emocional e garantindo maior senso de unidade, já que trabalha com núcleos de personagens em subtramas aparentemente desconectadas, algo bastante arriscado, mas que se resolve com desenvoltura em escala épica nos vinte minutos finais.
O conceito, quando comparado à obra-prima de Kubrick, é inegavelmente tolo, material genérico sobrenatural. Se analisado enquanto pura continuação, não passa de uma grande bobagem que o espectador esquece minutos depois da sessão, mas não seria um olhar justo com a equipe criativa, “Doutor Sono” é competente quando visto sem o peso da responsabilidade que carrega, o elenco está afinado, fotografia, maquiagem, tecnicamente é acima da média no gênero.
O maior equívoco da produção, aquilo que prejudica a fluidez na execução, é exagerar na reverência em espírito à algo que, na prática, obviamente pretende deslegitimar, repetindo ad nauseam enquadramentos, movimentos de câmera, ângulos, trilha sonora, tentando por vezes até emular a frieza que era coerente em “O Iluminado” ao estilo de seu diretor, uma clara tentativa de lucrar com a memória afetiva dos fãs, resultando em um amálgama esquizofrênico cheio de pontas soltas e que subestima a inteligência do público.
Resumindo de forma simples, Kubrick estava certo, retire do filme todos os símbolos provenientes do original, tudo o que foi criado na adaptação, o que sobra, as ideias de King, simplesmente não renderia sequer um telefilme no canal Space.
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