Rei dos Reis (King of Kings – 1961)
Quando a notícia se espalha em toda a Judeia que o filho de Deus está para nascer em Belém, o rei Herodes (Frank Thring) exige que todos os bebês sejam eliminados. Maria (Siobhán McKenna) desaparece com seu filho Jesus (Jeffrey Hunter), que cresce pregando, fazendo milagres e conquistando devotos.
Dentre todos os filmes sobre a vida de Jesus Cristo, este ocupa um lugar especial em minha vida. Durante a infância, via repetidas vezes em VHS gravado por meus pais de uma exibição televisiva, com a maravilhosa dublagem do estúdio Herbert Richers, com as vozes de Newton da Matta, Darcy Pedrosa, Fátima Mourão, Silvio Navas, Márcio Seixas e Isaac Bardavid, entre outros.
Eu estudei desde criança em colégio de freiras, atravessei a natural fase questionadora da adolescência, mas a vida adulta me fez compreender (ao constatar na prática os esforços da esquerda em destruir o elemento religioso, a fé, e, principalmente, os absurdos que eles pretendem inserir em seu lugar) a necessidade dos valores judaico-cristãos na sociedade, uma espécie de trava para o mal do imediatismo revolucionário que ateia fogo no passado, confunde mentes vulneráveis e deseja apenas o poder supremo.
No atual momento difícil que todos vivemos, imerso no experimento em escala global de engenharia social pelo medo, revisitei esta obra e me emocionei sobremaneira, enxerguei na abordagem do diretor Nicholas Ray, que captou Cristo como uma variação do solitário homem do Velho Oeste, terreno criativo que ele dominava, a fagulha rebelde que faltava em produções similares, talvez porque adotassem uma postura excessivamente reverente ao material original.
Na sua versão, o papel do jovem conciliador no sistema político da época era fundamental para entender o choque que sua passagem causou, por este motivo, na trama, há espaço generoso para o desenvolvimento narrativo do grupo de radicais agressivos contra a tirania romana, liderados por Barrabás (Harry Guardino) e Judas (Rip Torn).
Quando os boatos começaram sobre aquela voz firme na região, aqueles que combatiam ferozmente os centuriões acreditaram que haviam encontrado um companheiro de luta, mas, como é enfatizado na bela cena do sermão na montanha, Jesus pregava que pagar na mesma moeda seria igualar-se aos conquistadores, enfrentar o mal com o mal é agradar aos malignos, descer ao nível desumano dos espíritos de porco é sinalizar a derrota antes mesmo da batalha.
“Se não estou realizando os atos de meu Pai, não acreditem em mim, mas se estou realizando e, se ainda assim, não acreditam em mim, acreditem no trabalho que faço.”
O roteiro de Philip Yordan acerta ao compreender a importância de transpor os eventos bíblicos sem desmitologizar, algo que ocorre em quase todos os esforços artísticos do período, que buscam humanizar o personagem, no intuito de obter maior identificação do público, recurso fadado ao enfraquecimento de sua essência.
O Jesus vivido por Jeffrey Hunter é um ser superior, que se permite ser julgado e sacrificado pelo bem da humanidade, ele, como o próprio título reforça, até mesmo nas escolhas de gestos e na postura física do ator, não precisa impor sua grandeza, ele simplesmente É, uma autoridade muito acima dos reis humanos, cuja nobreza não precisa ser constantemente lembrada por adornos dourados e sinais de comando.
Esta proposta se mostra evidente na sequência em que ele está diante de Herodes (Frank Thring). Perceba como, próximo ao final, o romano que, anos antes, não demonstrou receio algum ao destronar o próprio pai (Grégoire Aslan), não consegue disfarçar o pavor que sente, enquanto se aproxima sorrateiro por trás do jovem com um manto vermelho, sem conseguir sequer sustentar contato visual.
A opção por não espetacularizar os milagres, tratando deles em off ou com escolhas estéticas inteligentemente minimalistas, como a cura do cego pelo toque da bengala na sombra de Jesus na parede, agrega valor à obra, pois entende que não são o aspecto mais interessante na história.
Da mesma forma, a onipresença divina não é representada visualmente na cena da crucificação, a resposta do diretor aos apelos de Jesus é um corte seco para uma tomada do céu, mostrando uma luz que insinua romper as nuvens, mas que, segundos depois, enfraquece, a solidão que potencializa a responsabilidade do indivíduo por seus atos, algo que agrega força de caráter às suas palavras finais, que, aliadas à posterior aceitação verbal de sua sobrenaturalidade pelo soldado romano Lucius (Ron Randell), representam a redenção definitiva.
A beleza imagética da cena final é poucas vezes lembrada, a brilhante ideia de formar, com a junção da silhueta de Cristo ressuscitado na areia da praia e as redes de pesca de seus discípulos, a figura imponente da gigantesca cruz, um toque sutil e elegante, representando a transcendência do martírio, a ressignificação positiva do símbolo.
O filme, com uma trilha sonora magistral composta pelo mestre Miklós Rózsa, segue poderoso e emocionante após todos estes anos. Na atual conjuntura mundial, com a perseguição descarada ao cristianismo (principalmente pela ditadura comunista chinesa) e a tentativa nada velada de apagar seus rituais e silenciar seus seguidores, celebrar este épico se torna, mais do que uma atitude cultural, uma corajosa atitude política.
Reveja em família “Rei dos Reis”, transmita aos pequenos a sua mensagem, fortaleça suas mentes para que resistam ao adestramento ilógico dos canalhas. A mente sã não se dobra às tentações do deserto, ela se sustenta no resistente cajado da verdade até os últimos raios solares que prenunciam o crepúsculo, quando, com dignidade, abraça a inevitável finitude, e, na paz de sua consciência, ressuscita gloriosamente, conquistando a vida eterna.