Um Acidente de Caça (Moy Laskovyy i Nezhnyy Zver – 1978)
Adaptado da novela de Anton Chekhov, publicada como folhetim em 1884-85 e considerada precursora do romance policial psicológico, o filme penetra no vazio moral da aristocracia decadente ao narrar o drama da jovem Olga, filha de um servo, cobiçada por três homens de meia-idade.
O primeiro elemento que emociona na obra é a trilha sonora maravilhosa composta por Eugen Doga, especialmente a valsa de casamento, que atravessou a fronteira cinematográfica e entrou na cultura popular, tendo sido escolhida em 2014 pela UNESCO como a quarta obra-prima musical do século 20.
A sequência que a apresenta ao público esbanja requinte, qualidade perceptível até nas cenas filmadas em ambientes claustrofóbicos, com a câmera isolando o rosto da jovem Olga (Galina Belyaeva) durante a dança, evidenciando em sua expressão a satisfação por ter conquistado finalmente o status social de nobreza que sempre desejou.
Ela, a terna besta do título, em sua inconsequência adolescente, brinca com os sentimentos dos três adultos, que enxergam nela a glória perdida de uma aristocracia em ruínas, a projeção saudável e radiante de seus ímpetos de poder. Os pilares podem estar descascando, o torpor do álcool já não consegue mais ser controlado, o único prazer advém da caça, do ato de abater seres incapazes de se defender. Aquela bela jovem, sem esforço algum, faz deles presas patéticas.
A fotografia de Anatoliy Petritskiy, responsável pelo “Guerra e Paz”, de Bondarchuk, agrega uma aura onírica sombria, a presença constante da morte à espreita, tragédia anunciada, reforçada pelo peso que cada componente do elenco injeta no texto, algo que felizmente afasta o tom de melodrama que poderia ter sido adotado por um cineasta menos competente.
Um grande filme que merece ser mais conhecido pelo público brasileiro.
- O filme foi lançado em DVD pela distribuidora “CPC-Umes Filmes”.