Mad Max (1979)
Em um futuro distópico não muito distante, os recursos de óleo foram esgotados e o mundo está mergulhado em guerra, fome e caos financeiro. É quando o policial “Mad” Max Rockatansky (Mel Gibson), que não tem mais nada além de seus instintos de sobrevivência e retaliação, começa uma vingança contra a gangue, liderada por Toecutter (Hugh Keays-Byrne), que perseguiu e eliminou sua esposa (Joanne Samuel) e filho (Brendan Heath).
A experiência de rever o “Mad Max” original em 2022 é como ser levado para outro mundo, uma realidade criativamente empolgante, em que adultos psicologicamente maduros, apaixonados por esta arte, estudiosos dedicados, produziam pelo desafiador prazer de operar milagres com baixíssimo orçamento, imaginando um futuro povoado por personagens fortes, corajosos, algo que parece absurdo, distópico, caso consideremos o patético coletivo que o sistema preparou por décadas e, implacavelmente, abateu em seu processo de engenharia social em escala global; não há dúvida que os infantilizados homens de hoje, caso fossem inseridos no universo da obra, escutariam chorosos ao longe o som dos motores na estrada, deitados em posição fetal embaixo de suas camas.
O sistema conseguiu criar o terreno ideal para o controle absoluto, um caminho que só favorece os titereiros do caos, logo, nunca foi tão necessário despertar o “adulto interno” em estado de coma no indivíduo barbado, adestrado nos últimos dois anos a ter medo de espirrar e que decora seu quarto com bonequinhos de super-heróis, resgatar o espírito Max Rockatansky que caminhava ereto e com orgulho nas décadas de 80 e 90, época em que o “1984”, de George Orwell, parecia uma trama fantasiosa e o raciocínio lógico ainda ditava as decisões, da família mais humilde à mais endinheirada; hoje, mais do que nunca, o cinema pode ser uma ferramenta para virar o jogo no macrocosmo, a teatralidade saudável enfrentando a teatralidade do mal.
O sucesso avassalador do espetacular “Top Gun: Maverick” nas salas de cinema prova que há esperança, apesar dos berros advindos do manicômio defendendo, por óbvio interesse próprio, a normalização da doença, a reação do público evidencia que a lucidez curativa, como flor que rompe o asfalto, não pode ser deslegitimada.
Os protagonistas das aventuras que encantavam a garotada nas décadas passadas, os heróis de nossos pais e avós, estes que são tidos hoje como “machos tóxicos”, carregam uma chama que precisa se alastrar nas mentes anestesiadas e imediatistas da nova geração como um incêndio. É o momento perfeito para apresentar ao seu filho adolescente esta pérola australiana, roteirizada por James McCausland e dirigida pelo estreante George Miller, que também auxiliou no texto, a partir do argumento de Byron Kennedy, que transformou o jovem Mel Gibson em estrela de fama internacional.
Utilizando como base uma simples e eficiente narrativa de vingança, o filme é, em essência, experimental, nasceu da ideia de Miller construir uma história em que o rugido dos motores tomasse o lugar dos diálogos, bebendo da fonte dos mestres do cinema mudo, como Buster Keaton, com o aspecto visual sendo dominante, afinado no diapasão mítico dos grandes faroestes. McCausland captou a intenção do amigo, reduzindo ao mínimo as falas e potencializando o simbolismo das imagens.
O cenário apresentado é intensamente doentio, até mesmo as únicas figuras de autoridade que restaram, os policiais, flertam com a barbárie, o jovem Max parece ser o único que ainda preserva características do modus operandi de tempos menos grotescos, ele ainda valoriza a honra e a amizade, enquanto seus colegas se corrompem facilmente por galões de gasolina.
Ao perceber que, se seguir na função, pode acabar perdendo sua sanidade mental, ele tenta abandonar o trabalho e viver em paz com sua família, mas logo aprende que fugir do problema é abrir mão da liberdade por uma ilusão de conforto (leitmotiv que também se mostra presente na sequência, “Mad Max 2 – A Caçada Continua”), o mal não some quando se opta por não enfrentar seus abusos.
A sua tenacidade será desafiada duramente com a eliminação brutal do elemento que representa a pureza naquela inóspita terra, momento em que, facilitado pela entrega impecável de Gibson, o espectador percebe a radical “virada de chave”, a plena compreensão da única atitude possível diante daquela situação, a ousadia de se tornar mais perigoso do que os monstros que outrora punia, o nascimento do Guerreiro das Estradas.
Trilha sonora composta pelo australiano Brian May: