Rambo 3 (1988)
O ex-soldado John Rambo recusa um pedido do coronel Trautman, seu antigo líder de pelotão, para uma nova missão, pensando apenas em continuar com o seu novo estilo de vida, baseado na crença budista. No entanto, quando o coronel Trautman é raptado pelos russos na fronteira do Afeganistão e o governo americano é incapaz de intervir oficialmente, Rambo decide agir por sua conta e risco.
A minha relação com este filme é anterior ao conhecimento que tive sobre os dois primeiros, quando eu já visitava semanalmente a videolocadora, minha primeira lembrança de “Rambo 3” é ambientada na minha primeira infância, Classe de Alfabetização no Jardim Escola Menino Jesus de Praga, que ficava na Tijuca, época em que eu apenas brincava de massinha colorida na sala de aula e torcia para o meu pai não ter esquecido de gravar a transmissão diária de Jaspion na TV Manchete.
A sala de entrada da escola, onde nós deixávamos nossas pequenas mochilas e lancheiras penduradas em ganchos na parede, ao lado da escada que nos conduzia às salas, era o espaço em que brincávamos na hora do recreio, tinha uma vitrola e vários discos, quase todos direcionados para o público infantil. Eu disse: quase todos. Até hoje não entendo o motivo, mas entre os discos da Xuxa e do Trem da Alegria havia a trilha sonora de “Rambo 3”, com o Stallone e um helicóptero na capa, algo bem chamativo para alguém que já estava começando a se interessar por filmes.
Gosto de pensar que é minha contraparte do futuro que voltou no tempo e deixou este easter egg lá. O disco nunca foi escutado, algo compreensível, mas que aguçava ainda mais a minha curiosidade. Anos depois, como presente de aniversário, meu tio paterno Jorge Ricardo, também um apaixonado por cinema, acabou me dando este LP, que guardo com carinho até hoje. O fato é que, por pior que seja o filme, não há como negar seus vários problemas, eu tenho uma forte conexão emocional com ele.
Apesar de todos os furos de roteiro, a produção tem méritos na parte visual, até pela ambição corajosa de emular “Lawrence da Arábia”. Michael Stevenson, assistente de direção, trabalhou no clássico de David Lean. A direção inicialmente seria de Russell Mulcahy, que havia feito “Highlander – O Guerreiro Imortal”, mas após duas semanas de muitos conflitos com o protagonista, ele foi substituído por Peter MacDonald, que tinha experiência como diretor de segunda unidade de filmes como “Excalibur” e “Star Wars – O Império Contra-Ataca”, e estava escalado na produção para exercer a mesma função, mas foi catapultado para a ponte de comando.
Ele não levava a sério o personagem, alguém capaz de derrubar um helicóptero com um arco e flecha, então tentou injetar humor em algumas cenas, para desgosto de Stallone. Foi dele a ideia de inserir uma sequência que mostrasse Rambo, o guerrilheiro monástico, tentando se recuperar de algum dano, já que o herói havia metralhado dois estádios de futebol lotados sem levar um arranhão, o que o diretor considerava mais tolo do que a violência das revistas em quadrinhos, uma sugestão que conduziu à clássica cena em que ele cauteriza com pólvora um ferimento na barriga.
Mas realismo só foi o foco no primeiro filme, o segundo já era maravilhosamente “politicamente incorreto” (esta palhaçada ainda nem existia), com vietnamitas explodindo a torto e a direito, o terceiro apenas se manteve fiel à lógica que rege a possibilidade de um halterofilista sozinho enfrentar vários exércitos e não perder sequer uma perna em combate. Até Richard Crenna, o abnegado coronel Trautman, que se manteve lúcido e sensato até aquele momento, decide partir para a pancadaria, acaba virando refém dos russos, o gatilho que faz o herói abandonar seu repouso na Tailândia e entrar de cabeça no conflito dos rebeldes afegãos.
Eu gosto bastante da sequência em que Stallone, pela primeira vez, entende o peso emocional da guerra desigual contra aquele povo, o silêncio dominando a cena. E minha contraparte infantil vibrava quando a cavalaria afegã chegava para ajudar Rambo e Trautman no combate final. Quando Rambo, emocionado com o retorno dos amigos, recarrega sua metralhadora e salta da trincheira improvisada, com sangue nos olhos, na frente de um tanque e um helicóptero, aquele menino de 8 anos de idade, que usou bandana vermelha e camuflagem dos “Comandos em Ação” em sua festinha de aniversário, puxou grito de guerra e metralhou junto.
Esta magia lúdica infelizmente morreu com a minha geração, época em que coragem e honra eram elementos valorizados na formação, vivemos hoje a era dos adultos infantilizados, dos homens frágeis e apavorados, “Rambo” é criticado em veículos da imprensa como um “macho tóxico”, as pobres crianças de hoje são presenteadas com “Peppa Pig” e trenzinhos falantes, imagine o nível da tragédia anunciada para o futuro. Um coletivo preparado desde cedo para o controle total, e, por conseguinte, o abate…